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Artigo: O pior da pandemia já passou ou ainda é possível redução do aluguel empresarial? – Por Thiago Boaventura

Este artigo visa esclarecer a situação atual da jurisprudência do Distrito Federal quanto aos pedidos de revisão de aluguel, diante do impacto imprevisível e extraordinário da pandemia do covid-19 Não é novidade que a pandemia do novo coronavírus fez surgir efeitos econômicos severos, diante de medidas de isolamento social, que até mesmo provocaram o fechamento temporário de lojas, bares, restaurantes, hotéis e shopping centers. Diante da expressiva redução de faturamento, uma das relações jurídicas mais impactadas por esse novo cenário foi o mercado de locações comerciais, que viu o número de pedidos de renegociação de contratos dispararem em questão de pouco tempo. Os empreendedores passaram a ter que negociar descontos no valor do aluguel, propor suspensão temporária dos pagamentos, e até mesmo proceder a devolução do imóvel, negociações que encontram amparo na Lei de Locações (lei 8.245/91). No caso do Distrito Federal, a partir da publicação do decreto 40.520/20, alterado pelo decreto 40.529 e subsequentes, que impuseram o fechamento de grande parte do comércio, iniciou-se um longo período de desequilíbrio contratual para a grande maioria dos contratos de aluguel com finalidade empresarial. Até mesmo empresas que se mantiveram excepcionadas do rol de atividades suspensas acabaram amargando imenso desequilíbrio da situação econômico-financeira do contrato. Basta verificar que, diante da situação de grave alerta, os referidos atos estatais e as autoridades de saúde passaram – e ainda passam – a orientar pessoas e trabalhadores a não saírem de suas residências, especialmente deixando de frequentar locais de grande circulação e aglomeração de pessoas. Também deve ser considerado que não está sequer descartada a ocorrência de novas medidas de fechamento geral, a julgar pelo que vem acontecendo em outros países, assim como a possibilidade de o vírus vir a apresentar mutações de modo que as futuras campanhas de vacinação não obtenham sucesso na erradicação. É razoável, portanto, crer que somente o completo desaparecimento da atuação do agente nocivo restaurará o ambiente de paz e tranquilidade para a sociedade, que finalmente ficaria livre de restrições de circulação e aglomeração. Portanto, apesar de o final do ano de 2020 estar bastante próximo, ainda é dificílima a previsão de retorno à normalidade. O simples funcionamento do comércio, diante da continuidade da situação de isolamento social, juntamente com medidas de restrições à circulação e aglomeração de pessoas, não é garantia de faturamentos similares aos anteriores. Dito isso, o que seria possível fazer com relação a contratos de aluguel, na presente situação, em que a empresa se encontra prejudicada diante de tais medidas interventivas governamentais, cujas consequências são elevadas restrições às atividades econômicas, com reflexo direto e significativo em seu faturamento? Primeiramente, é necessário entender que a situação pandêmica atual não autoriza que imóveis sejam ocupados livremente, com ausência de qualquer obrigação de pagamento. Por isso, pedidos judiciais que contemplem a simples suspensão dos pagamentos vêm sendo completamente rechaçados, como se pode verificar na decisão abaixo: “(…) 3. A pandemia é uma hipótese de caso fortuito ou força maior, razão pela qual o ordenamento jurídico autoriza a parte a resolver o contrato ou pleitear a readequar o valor real da prestação, inexistindo previsão legal que autorize a suspensão do cumprimento da obrigação. 4. A interrupção das atividades comerciais em razão da quarentena decorrente da pandemia de covid-19 não permite que o locatário seja desobrigado do pagamento dos aluguéis durante o período da quarentena. 5. É inquestionável a existência de impactos financeiros a incidir sobre as atividades do locador e do locatário, sendo razoável que os prejuízos sejam rateados entre as partes. (…)” (Acórdão 1282063, 07142668120208070000, relator: Hector Valverde, 5ª turma Cível, data de julgamento: 9/9/20, publicado no DJE: 21/9/20. Grifo não consta do original) Além disso, importa esclarecer que a situação é perfeitamente amparada pelo nosso Código Civil (CC), a começar pelo art. 393, que define como imprevisível e extraordinária o evento danoso incomum que afeta, de forma grave, qualquer das partes da relação contratual. Nesse sentido, impende citar a decisão da 5ª turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), ao ter a oportunidade de apreciar decisão liminar proferida pelo Juízo da 20ª Vara Cível de Brasília, nos autos do Processo 0726835-17.2020.8.07.0000 (publicado no DJE: 12/11/20): “O momento excepcional pelo qual o País (e o Mundo) atravessa não deixa dúvidas de que se trata de situação imprevista, pois jamais se imaginaria que medidas tão extremas como o isolamento social e o fechamento do comércio fossem necessárias para conter a pandemia, o que, por certo, tornou o valor da prestação originariamente contratada desproporcional”. Tais conceitos autorizam o uso da chamada “Teoria da Imprevisão”, tratada nos arts. 478 a 480 do CC. O entendimento jurisprudencial do TJDFT vem sendo unânime nesse mesmo sentido, podendo-se citar o seguinte julgado: “1. A pandemia de COVID-19, com as consequentes medidas governamentais implantadas a fim de conter sua disseminação, impactou de forma negativa os setores econômicos, incluindo o de prestação de serviços educacionais. Tal cenário, por se originar de fato imprevisível e excepcional, possibilita, com amparo na teoria da imprevisão (art. 478 e seguintes do CC), uma revisão temporária na relação locatícia, de forma a minimizar o desequilíbrio entre os contratantes, distribuindo, de forma mais amena e solidária, as consequências advindas da pandemia na atividade comercial (…) 3. Em sede de ação revisional de aluguel, ponderadas as condições expostas por ambas as partes durante a crise gerada pela pandemia, não se vislumbra desproporcionalidade na redução do valor do aluguel em 50%, tratando-se de divisão igualitária das perdas a serem suportadas pelo locador e locatário até a prolação de sentença de mérito” (Acórdão 1277879, 07130768320208070000, relator: Ana Cantarino, 5ª turma Cível, data de julgamento: 26/8/20, publicado no DJE: 9/9/20) (grifou-se) Vê-se, portanto, que enquanto vigorarem decretos restritivos à circulação e aglomeração de pessoas, o contrato torna-se oneroso de forma excessiva, em evidente desequilíbrio econômico, vez que os custos da quarentena ficam desproporcionalmente a cargo do locatário, o que não pode acontecer a menos que ela tivesse contribuído com o evento danoso. Diante da mudança das circunstâncias econômicas originais, mormente a determinação de fechamento do comércio e da recomendação para que as pessoas não circulem em locais públicos e privados, a prestação mensal torna-se maior e mais potencialmente danosa que a anteriormente acordada. Sendo assim, não restam dúvidas de que tratar o contrato de aluguel como se nada estivesse acontecendo configuraria situação de extrema vantagem para a locadora do imóvel. Essa linha de entendimento também restou fixada na 5ª turma do TJDFT, no processo 0726835-17.2020.8.07.0000, conforme trecho abaixo: “Na hipótese e como fixado pela decisão agravada, comprovada a queda no faturamento da locatária (documentos de IDs 66215043 a 66217197) em razão da interrupção de suas atividades comerciais. Por isto, configurada, ao menos em princípio, a probabilidade do direito afirmado de revisar o contrato, pois faz-se necessário o restabelecimento do equilíbrio contratual, considerando não ser admissível recair apenas sobre uma das partes as consequências de um fato imprevisível que alterou a relação contratual. De se ver que o fato da edição do Decreto 40.939, pelo qual liberado o funcionamento das atividades comerciais, possibilitando a retomada das atividades da locatária, não se mostra, pelo menos em sede de cognição sumária, suficiente a desconstituir o que traçado pela decisão agravada, que, com base na comprovação da queda do faturamento da agravada (os documentos de IDs 66215043 a 66217197), reduziu o valor do aluguel em 50% (cinquenta por cento), máxime a se considerar que mera reabertura do comércio não significa imediato reequilíbrio do contrato”. (Acórdão 1296766, 07268351720208070000, relator: Maria Ivatônia, 5ª turma Cível, data de julgamento: 28/10/20, publicado no DJE: 12/11/20) (grifo não consta do original) No caso de lojas estabelecidas em shopping center, a situação de desequilíbrio fica ainda fica mais evidente, vez que a cada loja devolvida por falência é mais uma loja a ser novamente negociada, ou seja, mais um montante de “luvas” a ser recebido. Basta observar a prática para se chegar à conclusão de que a rotatividade pode se tornar facilmente em fonte real de lucro para alguns empreendimentos. Deve-se, contudo, verificar se há previsão contratual de qualquer tipo de responsabilidade quanto a períodos extraordinários, de grande comoção ou calamidade pública, resultados de casos fortuitos ou de força maior. Não sendo esse o caso, o locatário prejudicado deve notificar a locadora de forma extrajudicial, apresentando sua proposta de reequilíbrio contratual, que seja capaz de permitir a continuidade do contrato, com fulcro no art. 480 do Código Civil. Apesar de vigorar o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, o TJDFT vem atribuindo importância à tentativa de composição amigável, a exemplo do seguinte julgado: “1) O novo cenário imposto pela pandemia de coronavírus e pelas medidas de combate estabelecidas pelo Poder Público afetou de diversas formas muitas obrigações negociais. A extinção de vínculos contratuais e a revisão judicial são medidas a serem evitadas pelas partes, sempre que possível. 2) A imprevisibilidade da situação decorrente da pandemia de coronavírus e a possibilidade de acarretar onerosidade contratual excessiva possibilita enquadrá-la como hipótese excepcional que permite a revisão do negócio jurídico pela via judicial, nos termos do art. 317 do CC, caso não realizada ou infrutífera a tentativa de composição entre as partes” (Acórdão 1269034, 07092833920208070000, relator: Hector Valverde, 5ª turma Cível, data de julgamento: 29/7/20, publicado no DJE: 10/8/20)”. No caso de shopping centers, a incidência apenas de aluguel calculado com base no percentual de faturamento, sem limites mínimos, seria uma forma justa de remuneração vez que é a forma que melhor caracteriza a parceria empresarial. Quanto melhor for o desempenho do lojista, melhor será o retorno para o empreendedor. Em consonância com o entendimento acima, pode-se destacar a decisão liminar da 25ª Vara de Brasília, proferida em 24/3/20, nos autos do Processo 0709038-25.2020.8.07.0001: “O próprio contrato tem cláusula que nos ajuda a decidir neste ambiente de incerteza. O aluguel vinculado ao faturamento. Tal dispositivo contratual tem boa eficiência econômica, pois contém a regra de que se você ganha ou ganho. Se você perde, eu perco. Necessária a cooperação para todos ganharem ou perderem juntos, a essência do Direito que atravessa os séculos: ‘viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu'”. (grifou-se) Independentemente de ser fixa ou variável, o fato é que a parcela de aluguel comercial pode ser alterada judicialmente, na hipótese de evento imprevisível e extraordinário. Basta entender que, se fosse possível ter o conhecimento prévio de que a economia mundial seria seriamente abalada por uma pandemia, e que os governantes seriam instruídos de forma a paralisar grande parte da atividade econômica, o locatário certamente não teria assinado o contrato. Dispõe o art. 317 do Código Civil que “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação” (grifou-se). A 6ª turma do TJDFT, em decisão que apreciou liminar denegada pelo Juízo da 5ª Vara Cível de Brasília (Processo 0714672-05.2020.8.07.0000), corrigiu a decisão de primeiro grau, deixando explícita a necessidade de aplicação do referido art. 317 do CC, diante de situações excepcionais: “Referido dispositivo autoriza a intervenção judicial na revisão contratual em decorrência da imprevisibilidade com a consequente quebra do equilíbrio contratual por desproporção manifesta entre o valor da prestação devida no momento de sua execução Ora, diante das circunstâncias excepcionais enfrentadas pelo país e pelo mundo em decorrência do coronavírus, tenho como caracterizados motivos imprevisíveis para a incidência do disposto no art. 317 do Código Civil”. Ademais, a comprovação do impacto econômico relacionado aos efeitos das medidas restritivas governamentais, revela-se de extrema importância para o êxito na busca pelo reequilíbrio, como se pode constatar diante do seguinte trecho da decisão da 6ª turma do TJDFT, que julgou recurso de agravo de instrumento, nos autos do processo 0714672-05.2020.8.07.0000: “Nesse contexto probatório, é possível a intervenção judicial para o reequilíbrio da obrigação, em aplicação à teoria da imprevisão. Logo, plausível a alegação recursal no sentido de se rever judicialmente os termos do valor da prestação pecuniária observado os preceitos constitucionais da solidariedade, da justiça social e também o princípio da preservação dos contratos, mas readequando-o à nova realidade socioeconômica. De outro lado, ao se redefinir o equilíbrio contratual perdido na atual pandemia, deve-se ressaltar que a imprevisão afeta, no caso, ambas as partes do negócio. Assim, estabelecendo ponderação dos interesses em questão, aliada às alegações formuladas pela ora agravante-locatária tenho que a melhor solução ao caso consiste na redução em 60% do valor ajustado, R$9.000,00(nove mil reais), perfazendo um aluguel provisório de R$3.600,000(três mil e seiscentos reais). Em relação ao período, assinale-se que as agências de viagens, operadores turísticos e serviços de reservas somente foram autorizadas a funcionar a partir do dia 26/05/2020, por força do art. 13 do Decreto Distrital nº 40.817, de 22/05/2020. Ocorre que, sabidamente, o setor não se recupera imediatamente, mas sim gradualmente.” Assim, com base nos arts. 317, 393, 478, 479 e 480 do Código Civil, considerando a imprevisão quanto ao evento covid-19 no momento da assinatura do contrato de aluguel, é justo que as empresas demandem alteração contratual equitativa, de modo a conferir descontos dos valores de aluguéis compatíveis com a redução de faturamento, devidamente comprovadas no processo, mantendo-se em vigor as demais disposições contratuais, até que os decretos limitadores de circulação e aglomeração de pessoas sejam revogados ou qualquer outra situação diretamente relacionada seja afastada. Fonte: Migalhas