Tenho defendido que a finalidade maior da Lei nº 12.318/2010, apelidada de Lei da Alienação Parental, é garantir à criança e ao adolescente o amplo exercício do seu direito à convivência familiar, assegurado expressamente pelo artigo 227 da Constituição Federal. Isto significa que, para que seja resolvido o problema da interferência familiar e protegido o melhor interesse da criança ou adolescente envolvido, devem os vínculos com o familiar alienado serem reconstruídos, sem que se perca o vínculo com o familiar alienador. Não basta punir o responsável pela Alienação: o efetivo resguardo do Superior interesse da criança e do adolescente exige que a lei seja ferramenta de reequilíbrio das relações familiares, em uma perspectiva pedagógica e restaurativa que atravessa todo o microssistema da Proteção Integral. A partir desse pressuposto, de que a finalidade da Lei nº 12.318/2010 não é de meramente repreender e punir o alienador, mas sim resgatar a harmonia e o equilíbrio do ambiente familiar, verifica-se que as medidas do artigo 6º da referida lei dialogam com as medidas de proteção previstas no artigo 101 [1] do ECA e com as medidas pertinentes aos pais ou responsável estabelecidas no artigo 129 [2] do mesmo diploma legal, com grande potencial para reeducação do familiar alienador e para reconstrução dos vínculos da criança ou adolescente com o familiar alienado. Seguindo o pensamento de que o trabalho do Judiciário não deve se centrar na cura e na sanção do culpado, mas sim na melhoria dos vínculos, Refosco e Fernandes (2018) sugerem o Acompanhamento Terapêutico como ferramenta de envolvimento de toda a família no processo de reconstrução dessa harmonia. A imposição do acompanhamento psicológico, tal como previsto na Lei nº 12.318/2010, apenas ao “alienador” agrava a cisão familiar, reforçando a dicotomia vítimas-algozes. O Acompanhamento Terapêutico é um atendimento que passa por lugares sem se fixar. Todo tipo de configuração horária passa a ser possível, na medida em que se entenda o Acompanhamento Terapêutico como um trabalho que tem a especificidade de ser feito em movimento, no espaço público e domiciliar, balizado por uma escuta clínica. O trabalho coloca este atendimento frente não apenas ao sujeito acompanhado, mas também, pelo menos em um grande número de vezes, a sua família e ao círculo social mais imediato (REIS NETO et al, 2011). Os efeitos colaterais de algumas das medidas podem ser muito traumáticos e desestruturantes, em especial os das sanções drásticas, tais como a inversão da guarda ou a suspensão da autoridade parental, enquanto outras medidas podem ser pouco efetivas, tais como a imposição de multa ou a advertência; qualquer medida tomada contra um dos pais, porém, trará repercussões e consequências na vida dos filhos. Por isso, se deve buscar nas situações de litígio uma reflexão da dinâmica familiar com vistas não somente à mudança de padrões promotores de sofrimento, mas ao resgate de competência e capacidade de auto-organização familiar (REFOSCO, FERNANDES, 2018). Trata-se, portanto, de um trabalho com uma forte característica grupal, ainda que mereçam também toda atenção os momentos em que Acompanhante Terapêutico e sujeito acompanhado se encontram sozinhos ou os vínculos singulares estabelecidos entre cada Acompanhante Terapêutico e sujeito acompanhado e seus familiares. O que se constrói assim com o andamento de um trabalho dessa natureza é uma complexa rede de relações, potencialmente terapêuticas, mas que devem ser consideradas em toda a sua delicadeza (REIS NETO et al, 2011). Busca proporcionar melhor e maior organização na vida dos seus pacientes, sendo uma instância de acolhimento e de sustentação de todos os componentes das relações sociais. Possui duplo papel: dar suporte às visitas assistidas e apoio psicológico à família em crise. O acompanhante terapêutico pode ser visto como alguém próximo o suficiente para entender a situação do outro empaticamente, mantendo, porém, a distância necessária para auxiliar terapeuticamente o seu cliente (REFOSCO, FERNANDES, 2018). Na Argentina, desde 2008, uma equipe de profissionais vem construindo um modelo de atuação do Acompanhante Terapêutico Judicial. Lá este profissional é remunerado após cada visita por ambos os genitores, em partes iguais, e participa de todas as visitas. Antes de começar o seu trabalho, o Acompanhante Terapêutico Judicial faz uma entrevista prévia com cada um dos pais, na qual esclarece sua função e seus cuidados. Sua nomeação ocorre por determinação judicial, e seu nome é escolhido por consenso dentre opções que compõem uma lista encaminhada aos advogado. Porém, em sociedades extremamente desiguais como a brasileira, torna-se fundamental assegurar que recursos inovadores como esse não fiquem adstritos às classes mais ricas, garantindo-se às famílias necessitadas o acesso gratuito ao Acompanhamento Terapêutico (REFOSCO, FERNANDES, 2018). A sugestão da criação da figura do Acompanhante Terapêutico junto à equipe multidisciplinar do Poder Judiciário se afigura como ideal para permitir a melhor integração do combate à Alienação Parental ao microssistema da Proteção Integral. As Varas de Infância e Juventude, como bem aponta Bordallo (2013), foram os primeiros órgãos judiciais que contaram com equipe interprofissional para auxiliar na solução dos casos, o que hoje já se encontra espalhado para outros órgãos, como as varas de família e Juizados Especiais Criminais, em um sinal de que o Poder Judiciário já se conscientizou da necessidade da intervenção de outros ramos. A instalação de programas de Acompanhamento Terapêutico junto ao Poder Judiciário pode atuar em duas frentes: na reconstrução dos vínculos fragilizados pela prática da Alienação Parental e na condução das chamadas “visitas assistidas” (que prefiro chamar de “convivência assistida”), que se afiguram de extrema relevância diante dos casos de comunicações de abuso na constância da “disputa de guarda”. O Acompanhante Terapêutico pode ser a presença multidisciplinar que favoreça a reconstrução do diálogo entre os familiares, com a segurança da supervisão dos momentos de convivência entre o eventual genitor ou familiar sob suspeita de abuso. Essa figura, porém, não se confunde com a figura do perito judicial, tão demandado nas ações em que presente uma denúncia de abuso contra criança ou adolescente. Estas reflexões fazem parte da minha tese de doutorado, defendida em Agosto de 2020 junto ao Centro Universitário de Brasília, e que espero em breve promover a publicação. Outras questões de ordem material e processual foram por mim abordadas, mas este é assunto para um próximo artigo. Por ora, fica a esperança de que essa solução possa ser adotada pelos Tribunais de todo o país, como compromisso de concretização da Proteção Integral, célere e eficaz a nossas crianças e adolescentes. REFERÊNCIAS BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. O Poder Judiciário. In Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (coordenação). 6.ed. rev. e atual. conforme Leis n. 12.010/2009 e 12.594/2012. São Paulo: Saraiva, 2013. REFOSCO, Helena Campos. FERNANDES, Martha Maria Guida. Entre o afeto e a sanção: uma crítica à abordagem punitiva da alienação parental. Revista DireitoGV. Vol.14, n.1, jan-abr.2018. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v14n1/1808-2432-rdgv-14-01-0079.pdf. Acesso em: 26 jun. 2019. REIS NETO, Raymundo de Oliveira; TEIXEIRA PINTO, Ana Carolina; OLIVEIRA, Luiz Gustavo Azevedo. Acompanhamento terapêutico: história, clínica e saber. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 31, n. 1, p. 30-39, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932011000100004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 05 jul. 2020.