Segundo dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 27 de agosto, as execuções fiscais representam 70% do estoque da execução dos tribunais brasileiros. Também representam aproximadamente 39% do total de casos pendentes, com congestionamento de 87% em 2019 [1]. Em se tratando de problema que aflige o Poder Judiciário de longa data, tentou-se como solução a edição da Lei nº 12.767/12, que introduziu o parágrafo único no artigo 1º da Lei nº 9.492/97, para incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. Ainda assim, como é possível notar, pois o dispositivo legal está em vigor desde 2012, a medida legislativa não foi capaz de modificar significativamente a realidade descrita, pois enfrenta, entre outras dificuldades, a ausência de ações dos órgãos e entidades da Administração Pública, que não se valem do instrumento do protesto [2]. Apesar disso, o protesto continua sendo importante medida coercitiva de cobrança de créditos tributários, contudo, cabe aos órgãos de controle, em especial Tribunais de Contas e Ministério Público, cobrar dos gestores a sua efetivação, visto que se trata de medida econômica e eficiente, que possui potencial de produzir bons resultados para a Administração Pública e aliviar, em parte, o Poder Judiciário. Outra opção eficiente seria introduzir comando legal para que se imponha à Administração Pública a realização do protesto da dívida ativa anteriormente ao ajuizamento da ação de execução fiscal. Outra ação elogiável é a solução consensual de litígios no âmbito administrativo, que, através da utilização de meios alternativos à solução judicial de conflitos, busca-se a renegociação da dívida inscrita. Cita-se, como exemplo, o Concilia Rio, que produziu resultado expressivo, possibilitando ao município do Rio de Janeiro, em 2019, ter o seu melhor resultado histórico em termos de arrecadação nos últimos três anos [3]. Por outro lado, é preciso avançar no tema e avaliar a possibilidade de se conceder à Administração Pública outros meios coercitivos necessários para que execute diretamente os seus respectivos créditos, valendo-se, para tanto, de suas procuradorias [4], e do desenvolvimento dos recursos tecnológicos, cada vez mais comuns e eficientes na cobrança de dívidas, especialmente no setor privado. Nesta linha, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.257/19, que busca instituir a execução fiscal administrativa e a arbitragem tributária, em que se admite que a notificação do executado, a realização da penhora, a avaliação dos bens e a adjudicação fora dos muros do Poder Judiciário. Nota-se que cabe ao legislador pátrio disciplinar a matéria, e ao CNJ e ao Poder Judiciário reconhecer esse espaço institucional da Administração Pública [5], que possibilitaria aumento da arrecadação e "desafogaria" o Poder Judiciário do represamento de demandas de execução fiscal, causado, sobretudo, pela dificuldade na citação do executado e pela ausência de bens a serem penhorados. Não é adequado transferir para o Poder Judiciário, mais especificamente aos juízes lotados nas varas da Fazenda Pública, a gestão de todo acervo expressivo de execução fiscal, pois o mais correto seria cada órgão e entidade cuidar dessa gestão, devendo ser conferidos a eles, pelo legislador, as ferramentas necessárias para alcançar esse fim, sem excluir dos particulares, evidentemente, o direito de ingressar em juízo para questionar eventuais abusos ou ilegalidade cometidos pelo administrador. Sobre a garantia ao devido processo legal no curso da execução extrajudicial da dívida ativa, o Projeto de Lei nº 4.257/19 prevê expressamente a possibilidade de oposição de embargos à execução no seu artigo 41-F para impugnação da validade da dívida ou aduzir que a avaliação do bem não corresponde ao valor de mercado. Entrega-se, assim, à Administração e, consequentemente, às suas procuradorias, a prática de atos meramente instrumentais, que, caso excessivos, poderiam ser objetos de questionamento judicial, como qualquer outro ato administrativo [6]. É provável que se cogite a inconstitucionalidade do projeto de lei, como foi cogitada a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.492/1997, que instituiu o protesto das certidões da dívida ativa, por meio da ADI nº 5.135, que foi julgada improcedente. Com a devida vênia, neste trabalho não se entende como medida contrária à Constituição conferir à Administração Pública a prática de atos como penhora, avaliação e adjudicação, desde que seja resultado de um processo administrativo regulado por lei, em que se garanta o contraditório e a ampla defesa, assim como seja possibilitado ao executado ou corresponsável se socorrer da tutela jurisdicional para questionar a validade da certidão ou o seu valor, como prevê o artigo 41-F. Diante disso, outras medidas coercitivas, como a penhora extrajudicial, devem ser possibilitadas à Administração Pública, além de outras previstas na Lei de Execuções Fiscais e no Código de Processo Civil, quando aplicáveis, com a finalidade de evitar que sejam ajuizadas ações infrutíferas perante o Poder Judiciário. Assim, o que se propõe é a desjudicialização dos atos executórios na execução fiscal, delegando à própria Administração Pública o dever de identificar e localizar o executado ou corresponsável, bem como valer-se dos meios coercitivos necessários, especialmente a penhora, para verificar a existência de bens, direito e atividade econômica. Nesse ponto, importa destacar a relevante Portaria PGFN nº 33, de 8 de fevereiro de 2018, que regulamentou os artigos 20-B e 20-C da Lei nº 10.522/02, e previu em seu artigo 7º medidas que poderiam ser adotadas diretamente pela Administração Pública, sem necessidade de se valer de qualquer intervenção do Poder Judiciário, entre as quais se destacam o protesto extrajudicial, a comunicação da dívida aos bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e a averbação da dívida ativa nos órgãos de registro de bens sujeitos a arresto ou penhora, entre outras medidas. A mesma portaria disciplina a oferta antecipada de bens e direitos à penhora e para o ajuizamento seletivo de execuções fiscais, em que se admitiu ao executado, voluntariamente, apontar bens passíveis de arresto ou penhora ainda durante a fase administrativa. Outro passo importante foi dado no âmbito da União, já que o artigo 20-C da Lei nº 10.522/02 possibilitou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PFN) condicionar o ajuizamento de execuções fiscais à verificação de indícios de bens, direitos ou atividade econômica dos devedores ou corresponsáveis, desde que úteis à satisfação integral ou parcial dos débitos a serem executados. Todavia, para que a PFN exerça essa atribuição, é necessário que se conceda à Administração Pública todos os meios necessários para que faça essa verificação, como, por exemplo, a verificação da existência de valores depositados em instituições financeiras pelo sistema do Banco Central. Se forem dadas as ferramentas para verificação de indícios de bens, direitos ou atividade econômica à Administração Pública, apenas chegariam ao Poder Judiciário as ações de execução fiscal viáveis, com devedores identificados e, eventualmente, com bens penhorados. Também poderiam chegar eventuais ações de conhecimento ajuizadas pelo executado ou corresponsável para discutir a legalidade das medidas administrativas adotadas, o que ocorreria em casos pontuais e não traria maiores transtornos em termos de gestão processual, pois cuidaria apenas de demandas que envolveriam questões pontuais, muitas vezes versando sobre matéria exclusivamente de Direito. Conclui-se, assim, para fins de cobrança da dívida ativa, que os órgãos e entes da Administração Pública devem aperfeiçoar os seus mecanismos de cobrança para efetivar o protesto e utilizar os meios alternativos à solução judicial, bem como devem ser conferidos a eles, pelo legislador, a prática de atos executórios, devidamente regulados por lei, com a finalidade de satisfazer o crédito inadimplido, sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo executado ou corresponsável perante o Poder Judiciário. O ajuizamento das ações de execução fiscal, na forma como ocorre hoje, transfere indevidamente para o Poder Judiciário enorme acervo de certidões da dívida ativa inaptas, que ficam paralisadas nos tribunais do país consumindo recursos públicos sem necessidade, já que a Administração Pública, valendo-se dos meios tecnológicos de perseguição do crédito utilizados no setor privado e dos meios coercitivos previstos na Lei de Execução Fiscal e no Código de Processo Civil, teria maiores possibilidades de êxito. [1] Disponível em https://www.cnj.jus.br/justica-em-numeros-execucao-fiscal-eleva-arrecadacao-do-judiciario/. Acesso em 26/10/20. [2] Na tentativa de conscientizar os municípios e o Estado a adotarem o protesto como instrumento de satisfação da dívida, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, em 29/4/2019, realizaram reunião conjunta com todos os prefeitos, procuradores e secretários de Fazenda do Estado para falar sobre "protesto de certidões da dívida ativa". [3] Disponível em: http://prefeitura.rio/pgm/municipio-tem-a-maior-arrecadacao-da-divida-ativa-em-tres-anos-r-820-milhoes/. Acesso em 26/10/20. [4] Destaca-se a grande dificuldade dos municípios com recursos escassos de manterem uma estrutura de procuradoria adequada, o que reflete verdadeiro obstáculo para o tratamento eficiente da dívida ativa. [5] Foi o que houve quando o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 5.135 reconheceu a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.492/1997, já mencionado. [6] Menciona-se que tramita paralelamente no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.257/19, que propõe a desjudicialização da execução civil e concede aos tabeliães as funções de agente de execução, a quem caberia realizador os atos de citação, penhora e expropriação, entre outras atribuições descritas no artigo 4º do projeto. No entanto, o parágrafo único do artigo 1º do projeto de lei não admite que as pessoas jurídicas de Direito público sejam partes da execução extrajudicial civil. Dessa maneira, a solução proposta, em seu texto original, não alcançaria os processos de execução fiscal que, como já dito, representam cerca de 70% das execuções que tramitam no Poder Judiciário. * Juliano Oliveira Brandis é subprocurador-geral do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Processual pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pós-graduado em Direito Processual pela Universidade Federal de Juiz de Fora-MG, em Direito Administrativo pela Emerj e em Direito Processual Civil pela Unisul. Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)