O presente artigo aborda – por meio de pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e de estudo do caso – a problemática envolvendo a relação matrimonial durante o isolamento social decorrido durante a pandemia do novo coronavírus Nos tempos difíceis que estamos vivendo a preocupação e insegurança só aumentam. A ansiedade em saber quando tudo isso vai acabar também intensifica esses sentimentos. Durante essa pandemia, causada pelo novo coronavírus, alguns casais optaram em passar a quarentena juntos por não suportarem o distanciamento amoroso. Alguns como namorados, outros como se casados fossem, mas como manter essa convivência sem deixar que as consequências desse convívio se tornem uma discussão judicial? Muitos também pensaram em como ficaria a relação junto aos bens patrimoniais. Essa convivência caracterizaria uma união estável de fato? Como se proteger e não abalar o relacionamento? Uma das opções para que os casais possam se resguardar e proteger o seu patrimônio é o contrato de namoro, uma modalidade que tem se destacado durante a quarentena, deixando, assim, clara a intenção de ambos quanto ao relacionamento. Não são poucos os números de casamentos que foram adiados de forma indefinida em razão da crise pandêmica que enfrentamos. Só em São Paulo, houve queda de 49% em relação ao número de casamentos celebrados, entre 20 de março e 30 de julho de 2020, em relação ao mesmo período no ano anterior. Porém, nem todos os casais, por diferentes razões, podem esperar outro momento para consagrar sua união. Com a publicação do decreto 6, de 20 de março de 2020, que reconheceu a ocorrência de estado de calamidade pública decorrente da pandemia de coronavírus, o Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) garantiu a continuidade dos serviços extrajudiciais, através de atendimento de plantão a distância, e com o auxílio dos meios eletrônicos já disponíveis e em funcionamento em cada especialidade de serviços extrajudiciais, atualmente geridos pelas centrais, permitindo, assim, acessibilidade ao serviços cartorários. Além das preocupações com a pandemia na união estável, outras tantas existem com a pandemia da união estável, que subjetivamente constitui uma família, gerando direitos e deveres aos companheiros e equipara-se no Brasil ao casamento em seus efeitos pessoais e patrimoniais. A união estável não pode continuar a ser confundida com o mero namoro. Relacionamentos de caráter exclusivamente afetivo, sem a constituição de família, não podem gerar direitos e deveres recíprocos por força de norma legal de romanticismo que não cabe no ordenamento jurídico, em via de regra, o namoro antecede uma união estável, cujo início, salvo se existir um pacto escrito, é de dificílima apuração. A advogada, mediadora e professora Marília Pedroso Xavier, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, autora do livro “Contratos de Namoro – Amor Líquido e Direito de Família Mínimo” explica que “o contrato de namoro pode ser entabulado pelas partes justamente para aclarar que, apesar do casal viver um relacionamento público, contínuo e duradouro, não reconhecem ali a existência de uma família, de uma união estável. Felizmente, o Poder Judiciário brasileiro tem reconhecido que namoros longos, assim chamado ‘namoros qualificados’, não se confundem com união estável”. Necessário que se façam alguns esclarecimentos que não induz a união estável o mero namoro, vivendo cada partícipe da relação em seu lar individual, mesmo que verificadas visitas constantes e permanências recíprocas, mas não duradouras, de um na casa do outro. Mesmo que existente o noivado, com todas as intimidades próprias do casamento, não se dá o reconhecimento de união estável. O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em remédio a uma norma mal elaborada, aquela dos requisitos da união estável do art. 1.723 do Código Civil, inspirada ou, pior, forçada a seguir a Lei 9.278/96, como antes esclarecido, fez a diferenciação entre “namoro qualificado” e união estável.1 Muitas são as questões no Direito de Família que se intensificaram com a pandemia. Algumas pessoas ainda associam o reconhecimento da união estável com o tempo que convivem juntos. Em 1994, a Lei 8.971 estabelecia um tempo de convívio, qual fosse, superior a 5 (cinco) anos que caracterizaria a união estável. Isso foi alterado com o advento da Lei 9.278/96. Ou seja, não importa mais o tempo de convívio e sim os requisitos subjetivos que também dispõe o artigo 1.723, do atual Código Civil, “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. As usuais mazelas dessa norma são potencializadas durante uma pandemia que força o confinamento das pessoas, como esta do COVID-19, especialmente no sentido de obnubilar o intérprete sobre a existência de uma união estável. Casais de namorados juntam-se na mesma casa e, uma vez finda a atual pandemia, uma das pessoas dessa relação poderia pleitear pensão alimentícia ou divisão de bens do ex-namorado ou, até mesmo, em caso de morte antes do fim da convivência, almejar sua herança, como se união estável tivesse existido. No entanto, alguns casais ainda vivem em união estável de fato e não sabem, não formalizam a união e vivem em uma relação duradoura, pública e contínua, alguns com intenção de constituir família, outros não. Com o passar do tempo acabam conquistando bens materiais e, após a separação ou até mesmo do falecimento de um dos cônjuges a divisão dos bens acabam se tornando uma lide processual. Não resta dúvida que o Judiciário durante e pós pandemia ficará sobrecarregado de ações do Direito de Família, ações de revisão de alimentos, de reconhecimento de união estável, de dissolução de união estável, entre muitas outras. Há os que pensam que a troca econômica acaba descaracterizando a relação de namoro e a partir daí se torna uma união estável, o que não é verdade. Há os que preferem continuar com o convívio juntos durante a pandemia, ou mesmo pós pandemia, mas não se consideram namorados, e sim casados. Na concepção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), casamento “é o princípio aceito no nosso direito em que a pessoa confia na promessa de contrato futuro e, em razão disso, assume despesas, faz investimentos ou perde outras oportunidades, tem o direito de ser indenizada pelo interesse negativo, isto é, pelo que perdeu, confiando na celebração do contrato que se frustrou”. A Constituição Federal de 1988 dispõe no artigo 226, que a família é a base da sociedade e a união estável reconhecida poderá ser convertida em casamento. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.