O Direito de Família diante da pandemia do Covid-19 sofreu diversos impactos seja no cumprimento de guarda compartilhada, seja no cumprimento das prestações de alimentos, seja no sentido de realmente atender ao MELHOR interesse da criança e do adolescente de forma que se garanta minimamente uma formação saudável respeitando o direito de convivência com AMBOS genitores e suas respectivas famílias. Evidentemente com o cenário a partir de 13 de março quando se decretou a pandemia virótica e, mais tarde, o estado de calamidade pública impondo o isolamento social bem como a paralisação de serviços e circulação de mercadorias não essenciais, tudo mudou desde do aspecto convivencial até o econômico. Devemos defender naturalmente que o Direito de Família tem que ser pautado na realidade, por mais dura que esta se apresente. E, então vozes da doutrina que defendem o direito de convivência entre pais e filhos antes buscado a todo custo, doravante devem atender ao melhor interesse da criança e do adolescente no sentido de flexibilizar a convivência fática e física e, se possível, viabilizar a convivência virtual através de plataformas conhecidas (zoom, google meet, skype e, etc.). É certo que o contínuo convívio fora interrompido, especialmente, no que se refere aos idosos, pois pesquisas científicas recentes já apontam que expressivo percentual de crianças e adolescentes possuem a Covid-19, embora sejam assintomáticos, podendo oferecer grave risco de contágio aos idosos e portadores de comorbidades. Também os alimentos que deveriam ser pagos ao alimentado foram impactados, pois é claro, que o trinômio sagrado, da equação da pensão alimentícia deve ser observado, a saber: necessidade - possibilidade e razoabilidade. Principalmente, quando diversas pessoas sofreram grave redução salarial em suas vidas. Isto, sem atentar para os que simplesmente faliram ou se tornaram insolventes. Lembrando que o valor da pensão alimentícia não é alterado pelo motivo da criança residir com ambos os pais, já que as despesas não mudam por força de alternância domiciliar. É conveniente diferenciar, guarda compartilhada que é admitida em nosso direito, de guarda alternada que não é prevista. É razoável entender que se deve suspender, ao menos provisoriamente, o deslocamento de crianças e adolescentes durante a pandemia, prevalecendo pelo menos uma guarda unilateral fática. A fim de atender e proteger os filhos. Mas, essa redução pode ser amenizada com o convívio virtual. Podendo, até, em outra ocasião, o ente afastado passar ficar mais tempo, como forma de compensação e recuperação do tempo de convívio perdido. Há quem sustente que havendo dois deslocamentos por mês, o que o isolamento social permite, não irá haver grande exposição ao vírus e, o perigo de contágio pode ser mitigado, porém, advirto que deve se verificar em cada caso concreto. Outro problema, surge quando os pais são profissionais da área da saúde e, nesse caso, para o bem-estar da criança ou adolescente, a suspensão de visitação bem como a eventual mudança de residência pode ocorrer até que cesse a pandemia. Podendo ir morar com alguém da família, ou mesmo, amigos e amigas dos pais. Permanecendo o contato virtual assíduo, se possível. Outras decisões judiciais, identificaram exigência de por meio de exames clínicos, que se comprove cabalmente que os pais já contraíram a doença, ou mesmo que não possuem a doença, ainda que de forma assintomática. Afinal, trata-se de questão de saúde pública[1]. Mas, garante reduzir o risco de vida. Apesar de que cientificamente ainda não há garantia clínica de que estejam imunizados, e que não possam ter uma recontaminação, portanto, toda cautela é imprescindível, mesmo que seja em caráter transitório. Com relação os avós idosos, por estarem no grupo de risco, dotado de maior taxa de óbitos em decorrência da virose, o isolamento social e físico rígido se impõe. Portanto, restam vedadas as visitas físicas. Gisele Leite defende com base na pedagogia e na psicologia contemporânea que a guarda compartilhada que é atualmente a legal, é apropriada quando os ex-cônjuges reservam uma convivência harmoniosa e civilizada, fato que infelizmente, raramente acontece. E, portanto, a dinâmica da guarda compartilhada vem atingindo negativamente as crianças e adolescentes. Importante ressaltar que a relativização de regras de guarda compartilhada não implica necessariamente na tipificação de alienação parental[2]. Principalmente, por força maior, da pandemia. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, que repudiou a totalidade dos recursos de guarda compartilhada analisados, foi o que mais concedeu a visitação livre. Aproximadamente 25% dos julgados estudados mencionavam a questão da livre visitação, a maioria de forma positiva. Seria possível pensar, entretanto, que, se os pais procuram a Justiça para regulamentar a guarda de seus filhos, pode ser justamente por não estarem conseguindo praticá-la livremente. Nesses casos, concluir pela visitação livre, como uma aparente proposta de autonomia, pode contribuir para o acirramento de litígios ou para a inexistência de visitas, dadas as dificuldades que possam surgir. Como já exposto, o entendimento de que ambos os pais são responsáveis pelos filhos e, devem, portanto, decidir sobre a educação das crianças e ter seus lugares assegurados é a ideia que preside a modalidade de guarda compartilhada. A doutrina aponta que a visitação ampliada também não é suficiente para legitimar o exercício do poder familiar do pai que não detém a guarda, tendo em vista que as responsabilidades pela educação dos filhos são delegadas, principalmente, ao genitor guardião. Eliana Riberti Nazareth se posiciona quanto a essa questão e diz que aplicar a visitação livre não será, necessariamente, a melhor alternativa de arranjo para a criança. Notou-se, ainda, que a determinação da visitação livre possui duas facetas. A primeira, já discutida, se refere à ampliação do contato entre pais e filhos, e a segunda que está ligada à não obrigação do contato entre pais e filhos. Quando se cogita em "livre" visitação, abre-se prerrogativa para que a visita ocorra da forma que se quer, podendo, portanto, ser rejeitada por pais ou por filhos. A jurisprudência n° 0011677-76.2010.8.19.0000, emitida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, propõe a visitação livre do genitor não guardião ao seu filho adolescente, pois este não quer ser obrigado às visitas quinzenais. Assim, o relator mantém a decisão da primeira instância e in litteris: “No momento, a decisão da Magistrada de estabelecer a visitação livre deverá ser observada, na tentativa de superação de obstáculos que ainda existem entre o genitor e o filho. Forçar a visitação somente contribuirá para aumentar a dificuldade de relacionamento, mormente nesta fase, de início de adolescência”. Contudo ao refletir se caberia ao poder Judiciário assegurar o lugar dos pais no exercício de suas responsabilidades educativas, não deixando a situação como uma escolha a ser feita pelos filhos. Aliás, pesquisas sobre o tema (Wallerstein e Kelly; Gonzalez et al.) apontam que diversos podem ser os motivos para que os filhos não queiram visitar - ou estar com - um dos pais, dentre estes um forte alinhamento com a figura do guardião. Nessa situação, conceder ao filho a opção de realizar ou não a visita só contribuiria para sedimentar essa extrema aliança com aquele que possui a guarda. No Brasil, com a promulgação da Lei n° 11.698/2008 que era aguardada com grande expectativa por muitos pais que vislumbravam um novo cenário nas determinações dos arranjos de guarda de filhos de genitores não conviventes. Com a majoração do número de separações, cresceu também o número de pesquisas sobre o tema, constatando-se a necessidade premente de, nos dias de hoje, o Estado garantir a autoridade parental de ambos os pais, na medida em que a guarda unilateral foi avaliada como modalidade que pode contribuir para o afastamento entre pais e filhos. Como apontam diversos estudos contemporâneos ao longo do trabalho que é preciso desmembrar conjugalidade e parentalidade avaliando, quais as medidas judiciais mais adequadas e que melhor se aplicam a cada uma. Na pesquisa que se realizou com a jurisprudência publicada entre agosto de 2008 e abril de 2010 por tribunais de três estados (RJ, MG e RS), se identificou uma série de situações que, com frequência, são compreendidas como fatores que impedem a aplicação da guarda compartilhada. Nos acórdãos estudados, chamou atenção o expressivo número de julgados nos quais se contraindicava a guarda compartilhada, dado que pode sugerir certa resistência quanto ao emprego dessa modalidade de guarda. Assim, a desarmonia entre os pais da criança, a inexistência de fato novo que justificasse a alteração de guarda, as mudanças na rotina da criança, a distância entre as moradias dos pais, o fato de o processo de guarda envolver criança de tenra idade, a existência de conflitos no exercício da guarda e a concessão de visitação livre foram as justificativas mais usadas para se negar a aplicação da guarda compartilhada. A manutenção do convívio da criança com ambos os pais foi, no entanto, a principal argumentação que deu suporte às decisões favoráveis à guarda compartilhada, certamente em número menor do que os julgados contrários. Foi possível concluir pela existência de certa dissonância entre os argumentos utilizados para se negar a aplicação da guarda compartilhada e os resultados de trabalhos e pesquisas desenvolvidos pelas ciências humanas sobre o tema. Ou seja, os achados das pesquisas não fornecem dados que sustentem as conclusões dos referidos julgados. Tampouco se encontram na Lei n° 11.698/2008 as justificativas alegadas em muitos acórdãos. Sugere-se, portanto, que haja mais interlocução entre as diversas áreas de conhecimento (psicologia, pedagogia, pediatria entre outras áreas), inclusive por meio de debates e discussões sobre o tema da guarda compartilhada. Retornando ao entendimento de Maria Cecília de Souza Minayo acerca dos cuidados a serem observados no decorrer de pesquisas, pode-se recordar que o estudo de questões sociais se caracteriza por seu dinamismo e pela provisoriedade de seus achados. Portanto, é perigoso adotar-se conclusões e práticas rígidas para lidar com o referido e eventual conflito de interesses surgidos durante o exercício de guarda de criança e adolescente. Evidentemente, não se pretende, portanto, encerrar mormente o debate sobre a aplicação da guarda compartilhada, ao contrário, buscou-se galgar os indícios da argumentação evocada em acórdãos logo após a promulgação da lei que regula a guarda compartilhada no Brasil. Todavia, ainda, que toda a investigação pode contribuir ou embasar novas análises e elaborações teóricas que colaborem para se garantir, de forma saudável, a convivência familiar de crianças e de adolescentes. A respeito dos alimentos em caso de prisão civil, salientando o grande número de decisões judiciais de redução de prestação alimentar inundam os tribunais brasileiros. O devedor de pensão alimentícia se for preso durante a pandemia será submetido à prisão domiciliar, mas não se trata de premiação, e sim de alternativa no sentido de impor ao inadimplente um risco de morte. Por outro lado, a decisão judicial de não prender o devedor em regime fechado no sistema prisional retira em grande parte a força coercitiva que é tão importante para impor eficácia a decisão judicial. Há de se observar se não há nenhum locupletamento ilícito[3] e impróprio do momento da pandemia, para haver sonegação de alimentos. Concluindo, há relevância de se enfatizar a mediação familiar[4] principalmente nesse momento trágico, de crise onde a solução depende propriamente da construção do diálogo das partes, tudo em prol, do melhor interesse da criança e do adolescente. Em tempo, cabe registrar que respeito os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais em sentido contrário, principalmente na defesa da guarda compartilhada e em prol da Lei de Alienação Parental. Porém, infelizmente, as condições mínimas para sua plena eficácia e eficiência não existem na realidade brasileira. E, frise-se a enorme relevância da equipe multidisciplinar no sentido de amparar e informar adequadamente o julgador de todos os aspectos a serem sopesados para a decisão final judicial. REFERÊNCIAS: AGUILAR, José Manuel. Com mamá y com papá. España: Almuzara, 2006 BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BRASIL. Código Civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em: 23.07.2020. ______. Lei n° 11.698/2008, de 13 de junho de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11698.htm CASTIEL, Luís David. O que é Saúde Pública? Disponível em: http://www.fiocruz.br/bibsp/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=107 Acesso em 25.7.2020. COLTRO, Antônio Carlos Mathias; DELGADO, Mário Luiz. Guarda Compartilhada. 3.ed. Rio de Janeiro, Forense, 2018. DE BRITO, Leila Maria Torraca; GONÇALVES, Emmanuela Neves. Guarda compartilhada: alguns argumentos e conteúdos da jurisprudência. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322013000100011&lng=pt&tlng=pt Acesso em 25.07.2020. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias (livro eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. DUARTE, Marcos. Alienação parental: restituição internacional de crianças e abuso do direito de guarda. Fortaleza: Leis &Letras, 2010. HAYNES, John M.; MARODIM, Marilene. Fundamentos da Mediação familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo direito civil. Volume 6 9.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. Vol.5 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M. C. S. M. (Org.). 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Em geral, a conotação veiculada pela instância da "Saúde Pública" costuma se referir a formas de agenciamento político/governamental (programas, serviços, instituições) no sentido de dirigir intervenções voltadas às denominadas "necessidades sociais de saúde". (In: CASTIEL, Luís David. O que é Saúde Pública? Disponível em: http://www.fiocruz.br/bibsp/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=107 Acesso em 25.7.2020). [2] A alienação parental é um dos temas mais delicados tratados pelo direito de família, considerando os efeitos psicológicos e emocionais negativos que pode provocar nas relações entre pais e filhos. A prática caracteriza-se como toda interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos pais, pelos avós ou por qualquer adulto que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância. O objetivo da conduta, na maior parte dos casos, é prejudicar o vínculo da criança ou do adolescente com o genitor. A alienação parental fere, portanto, o direito fundamental da criança à convivência familiar saudável, sendo, ainda, um descumprimento dos deveres relacionados à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela ou guarda. Dentre as práticas capazes de configurar a alienação parental, a legislação prevê as seguintes: Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; Dificultar o exercício da autoridade parental; Dificultar o contato da criança ou do adolescente com o genitor; Dificultar o exercício do direito regulamentado à convivência familiar; Omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou o adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; Apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra os avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou o adolescente; Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou do adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com os avós. Casos de alienação parental são frequentes nas Varas de Família, principalmente em processos litigiosos de dissolução matrimonial, onde se discute a guarda dos filhos, o que ocasiona consequências emocionais, psicológicas e comportamentais negativas a todos os envolvidos. [3] "Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico". [4] A mediação familiar proporciona: Um ambiente neutral, onde poderão resolver os problemas; Imparcialidade e confidencialidade; um processo organizado e construtivo/ Novas opções a explorar; e A possibilidade de construir acordos para o futuro. A Mediação Familiar pode ser utilizada para resolver conflitos: Parentais; Divórcio ou separação; Regulação do poder paternal; Partilhas; Cuidados familiares a seniores. Para doutrinadores como John Haynes e Marilene Morodim (In: HAYNES, John M.; MARODIM, Marilene. Fundamentos da Mediação familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998), a mediação familiar, será um processo no qual um terceiro, que se chama mediador, vai auxiliar na solução de uma disputa. No qual um acordo final vai resolver um problema, com uma solução que irá fazer com que mantenha uma continuidade nas relações das partes envolvidas e consequentemente em uma solução mutuamente aceita. O mediador vai observar muito além dos problemas e se fixar nas questões importantes e com conteúdo especifico, facilitando meios para que os indivíduos envolvidos possam elaborar suas decisões e melhores soluções para o litígio.
* Gisele Leite é professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.
Fonte: Jornal Jurid