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Artigo: Mediação na administração pública como medida democrática - Por Andreia Mara de Oliveira e Ivan Carneiro Castanheiro

O vertiginoso índice de judicialização impõe uma inovação disruptiva e a utilização de novos caminhos para efetividade e democratização da justiça. A democracia, como exercício de poder, acessibilidade, empoderamento, inclusão social e de decisão pelo cidadão, encontra-se plenamente prestigiada nas novas mentalidades de composição de conflitos. Neste sentido, pretende este sucinto texto apontar tendências e inovações que estão sendo absorvidas, incorporadas e implementadas no Brasil. “As consensualidades tornaram-se decisivas para as democracias contemporâneas, pois contribuem para aprimorar a governabilidade (eficiência); propiciam mais freios contra o abuso (legalidade); garantem a atenção a todos os interesses (justiça); proporcionam decisão mais sábia e prudente (legitimidade); desenvolvem a responsabilidade das pessoas (civismo); e tornam os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (ordem)”.1 A mediação é uma das formas de solução adequada de conflitos. Nesta uma terceira pessoa imparcial, neutra e com capacitação técnica, facilita o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o problema. Em regra, é utilizada em conflitos multidimensionais ou complexos2. É um procedimento estruturado, não tem um prazo definido, e pode terminar ou não em acordo, pois as partes têm autonomia para buscar soluções que compatibilizem seus interesses e necessidades. Faz-se necessário a superação do modelo retrógrado e ineficiente da arraigada cultura da judicialização, da sentença e da dependência do paternalismo estatal que avassalam o sistema judiciário brasileiro. O acesso à justiça é o acesso à ordem jurídica justa, portanto, maior do que o simples acesso ao judiciário. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a taxa anual de congestionamento do Judiciário, a qual mede o percentual de processos que ficaram represados sem solução, varia bastante entre os tribunais. Na Justiça Estadual a média é de 73,9% e, na Justiça Federal, de 69,6%. Observa-se que quanto maior o índice, maior a dificuldade do tribunal em lidar com seu estoque de processos. E a maior litigante é a Administração Pública, possuindo o maior número de demandas em trâmite. Neste cenário, os novos mecanismos de solução alternativos ao judicial podem e devem ser pensados porque também são imprescindíveis para conter o colapso do sistema estatal. Os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça denunciam um congestionamento processual não razoável, cuja razão é atribuída, em grande medida, à cultura do demandismo. Como resposta a este anúncio de um futuro caótico, também realidade de outros sistemas judiciários no mundo, um movimento internacional de “desjudicialização” instaurou-se, fundado, principalmente, no princípio da duração razoável do processo, o qual tem amparo constitucional no direito pátrio (art. 5º, LXXVIII, CF). Fruto desse movimento foi a elaboração de novos métodos alternativos de resolução de litígios, diversos do processual, tais como a negociação direta e câmaras arbitrais, de mediação e de conciliação.3 Mais recentemente, na seara criminal, surge a denominada “Justiça Restaurativa”. A escolha do método de resolução mais indicado para determinada disputa deve levar em consideração as características específicas do conflito, as vantagens e desvantagens em cada procedimento e aspectos como: custo financeiro, celeridade, sigilo, manutenção de relacionamentos, flexibilidade procedimental, exequibilidade da solução, custos emocionais na composição da disputa, adimplemento espontâneo do resultado e recorribilidade.4 Entre os mecanismos adequados de resolução de disputas (ADR- Alternative Dispute Resolution) temos métodos que podem ser utilizados simultaneamente, numa abordagem pluralista com coexistência de vários deles: negociação, mediação, conciliação, arbitragem, facilitação assistida, med-arb, neg-med-arb e outras hibridações, práticas autocompositivas inominadas, dentre outros. Todos esses métodos apresentam um ponto em comum: são instrumentos efetivos de pacificação social, resolução e prevenção de litígios, controvérsias, problemas5 e democratização da justiça. Em recente artigo publicado pelo Ministro Luis Felipe Salomão do STJ e Monica Drumond, sobre análise econômica do direito e sua contribuição para eficiência do Poder Judiciário, foi enaltecido que o acesso à justiça não deve ser compreendido como mera garantia de provocação do judiciário e que há uma crise do modelo processual brasileiro evidenciada pela lentidão, excesso de trabalho das Cortes e o inflado mercado da advocacia. E, como solução ao problema, foi sugerido pela Escola de Chicago a adoção do critério de eficiência econômica como um dos sentidos de justiça, que pode se expressar por práticas autocompositivas, com menor custo social total, em relação aos processos judiciais, haja vista o ganho em celeridade, redução de gastos e satisfação das partes, trilogia característica da eficiência.6 Em nome da justiça, da paz social, da democracia, do descongestionamento e dinamização do Poder Judiciário, o Estado vem estimulando a adoção de métodos extrajudiciais de soluções de controvérsias. Assim o fez, com inadequação e sem uniformidade de nomenclatura (não impeditiva de aplicação), por meio da Lei 13.140/2015, conhecida como Lei da Mediação, a qual dispõe sobre a mediação entre particulares e a autocomposição no âmbito da administração pública. Além dela, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) é outro exemplo concreto do investimento em métodos consensuais de resolução de conflitos como forma de pacificar controvérsias, promover celeridade, efetivo acesso à justiça e manutenção harmoniosa e permanente das relações sociais. Nos últimos anos, parte significativa da academia, da jurisprudência e da legislação brasileiras tem dado ênfase à diminuição de litigiosidade e à utilização de meios consensuais e/ou extrajudiciais de solução de controvérsias envolvendo entes públicos. Já se passou o tempo, portanto, do preconceito e da negação.7 Foram superadas as críticas contrárias à possibilidade de utilização dos métodos alternativos em casos nos quais a administração pública é parte. Outro exemplo é a Lei 13.465/2017, conhecida como Lei da Reurb, que estipula como objetivo a ser observado pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a resolução extrajudicial de conflitos em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade (art. 10). A regularização fundiária urbana (Reurb) é um conjunto de normas gerais e procedimentais administrativas que abrangem medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais, consolidados ou não, ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes8. Ainda segundo a Lei da Reurb, os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito da administração local, inclusive mediante celebração de ajustes com os Tribunais de Justiça estaduais, as quais deterão competência para dirimir conflitos relacionados à Reurb, mediante solução consensual. Ou ainda poderão, mediante a celebração de convênio, utilizar-se dos CEJUSCs ou as câmaras de mediação credenciadas nos Tribunais de Justiça (art. 34, § 5º). A utilização de métodos alternativos vai além de uma opção ao método adjudicativo, uma vez que constitui verdadeira pacificação social e um dever imposto pelo Código de Processo Civil. Como exemplos o § 2º: “O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” e § 3º do art. 3º, no qual há um dever legal imposto aos operadores do direito: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. A Resolução nº 118/2014, do Conselho Nacional do Ministério Público dispõe sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição buscando, justamente, estabelecer regras gerais de incentivo à autocomposição, no âmbito do Ministério Público.9 O Código de Processo Civil, assim como o art. 32 da Lei de Mediação, impõe em seu art. 174: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.” O modo de composição e funcionamento das Câmaras em comento, bem como os conflitos que a ela podem ser submetidos, deverão ser disciplinados pelo respectivo ente federativo, sendo facultativa a submissão dos conflitos à Câmara (art. 32, §§ 1º e 2º, da Lei 13.140/15). Afirma a norma, ainda, no art. 32, § 3º, que o acordo derivado da Câmara terá natureza de título executivo extrajudicial. Está excluída a possibilidade de as Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos analisarem as controvérsias que somente possam ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujeitos à autorização do Poder Legislativo. Por outro lado, restam incluídas entre suas competências a prevenção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares (art. 32, §§ 4º e 5º da Lei 13,140/15). A Advocacia Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, onde houver, poderá instaurar, de ofício ou mediante provocação, um procedimento de mediação coletiva de conflitos relacionados à prestação de serviços públicos com o intuito de aumentar a celeridade na resolução coletiva de conflitos dos consumidores (parágrafo único do art. 33 da Lei 13.140/15). Na opinião de Maria Tereza Fonseca Dias, será preciso clareza do regulamento que implementar os meios de autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, na medida em que a mediação visa a restauração das relações e do diálogo e não somente um acordo. Salienta que uma área promissora da mediação na Administração Pública é a do processo administrativo disciplinar.10 Nesse diapasão, confira-se: “A Administração Pública deve se convencer da importância de se adotar métodos alternativos de solução de controvérsias, diligenciando para implantar uma rotina de autocomposição em suas relações. Isso certamente contribuirá para a melhoria do serviço público e para o ambiente de trabalho dos servidores públicos, acarretando na mudança de paradigma que vem sendo defendida pela doutrina e implantada paulatinamente pelo ordenamento jurídico pátrio.”11 Leila Cuéllar e Egon Bockmann Moreira, em conclusão a estudo sobre a administração pública e mediação, afirmam que “os institutos da negociação, da conciliação, da mediação e da arbitragem têm a capacidade de aproximar as partes e gerar resultados compatíveis com as diretrizes constitucionais, inclusive com os princípios que regem a Administração Pública”12. Por fim, conclui-se nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão, do STJ, que: “Pode-se afirmar com segurança que as soluções extrajudiciais, em especial a arbitragem e a mediação, representam o avanço do processo civilizatório da humanidade, que, de maneira consciente, busca mecanismos de pacificação social eficientes.”13

* Andreia Mara de Oliveira é advogada, mestre em Direito pela Unesp-Franca; participante do Summer Program in North American Law in University of Florida - Fredric G. Levin College of Law (USA), do Postgrado em Derecho, Politica y Criminologia na Universidad de Salamanca (Espanha), do PI-CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça – Brasília/DF e Gestão do Meio Ambiente da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foi Conselheira do Núcleo Docente Estruturante da FESL e Professora de Direito na FESL, UNIP, FAFRAM e conferencista na Unesp.

* Ivan Carneiro Castanheiro é promotor de Justiça do MP-SP; mestre em Direito pela PUC-SP; membro do MPD; participante do Summer Program in North American Law in University of Florida - Fredric G. Levin College of Law (USA); professor convidado Escola Superior do Ministério Público (ESMP-SP); professor da Unip; consultor do Projeto “Conexão Água”, do Ministério Público Federal (MPF); coordenador do 17º Núcleo Regional (Piracicaba) da Escola Superior do Ministério Público; membro do Comitê Temático do Meio Ambiente (Grupo de Trabalho de Enfrentamento à pandemia do COVID – MPSP - PGJ); vice-Diretor da Associação Brasileira dos membros do Ministério Público (Abrampa) - Região Sudeste.

Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)