Não basta ter um direito assegurado – é preciso que ele seja respeitado por todos nós “Nossa você viu como agora tá cheio de gay?” “Na minha época isso era safadeza” “Tá todo mundo saindo do armário, pelo amor de deus” “Olha eu não tenho nada contra travesti….mas…” “Eu até tenho um amigo gay” São pensamentos como esses que comprovam a necessidade de movimentos como a da hashtag da ONU #tudocomeçapelorespeito e nos mostram o quanto precisamos dar voz aos movimentos que lutam por respeito. No próximo domingo, dia 28 de Junho, será celebrado o Dia do Orgulho LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer e pessoas intersex). Você até pode se perder em meio a tantas siglas, só não pode faltar respeito! Em mais de 20 anos de história, a Avenida Paulista (SP) já reuniu mais de 45 milhões de pessoas e é uma maiores celebrações do mundo. Longe de ser apenas carnaval, os eventos de orgulho LGBTQI visam marcar seu espaço em busca da sobrevivência, respeito e saúde. “Mas ainda precisamos falar tanto sobre isso?” Com certeza. Os desavisados ou mal intencionados insistem em não respeitar os direitos das pessoas existirem e seguirem sua vida normalmente. A Sigla LGBT cresce a cada manifestação de inclusão. Não vamos abordar a questão política das siglas no texto, mas sim abordar a saúde dessa população que, com certeza, depende de uma abordagem biopsicossocial e seus direitos. O Nome Social O Brasil assegura que as pessoas que possuem nome de registro que não é compatível com a sua identidade real podem utilizar e validar o nome social e, posteriormente, mudar o registro. Na tentativa de aumentar o acolhimento, humanização e respeito à individualidade, nos ambientes do SUS há um espaço para inclusão do nome social do paciente. Não seja desagradável, não insista em chamar alguém pelo nome o qual ele não se identifica, isso inclusive é uma agressão ao direito que o assiste. “Mas que absurdo”! Por favor! Você não chama nenhum dos seus artistas prediletos, que estão fazendo sucesso nas lives, pelo nome de registro – então não busque uma justificativa para o seu preconceito. Estigma e doença Em 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homosexualidade da CID (Classificação Internacional de Doenças). Até aquele momento, gays eram tratados como doentes e como tal poderiam ser candidatos a tratamentos. Já a transexualidade deixou de ser considerada doença pela OMS recentemente – em 2018. A descoberta da AIDS, em 1981, em uma população homossexual proveniente de São Francisco e Nova York, alimentou bastante o preconceito e a associação da doença aos gays – uma falácia maldosa. Os estudos mais recentes inclusive já apresentam maior prevalência de HIV entre heterosexuais, o que contraria toda uma teoria preconceituosa que era supostamente validada pelos dados. Uma confusão de valores e ciência prejudica o avançar das lutas pela igualdade. Ser LGBTQI não é doença, não é escolha e não precisa da sua autorização, apenas seu respeito. Casamento e filhos No Brasil, casais de pessoas do mesmo sexo têm união estável reconhecida desde 2011, casamento civil desde 2013 e em 2015 foi consolidado o direito à adoção de filhos. Isso independe do seu julgamento, opinião ou vontade – é um direito assistido no território nacional. Ainda que homossexuais sejam criminalizados em mais de 70 países, inclusive com pena de morte, no nosso Brasil a realidade caminha com mudanças – lentas, mas caminha. Se você é contra o casamento gay, você pode escolher não se casar com alguém do mesmo sexo, mas, por favor, não opine na vida dos outros dessa forma. Claro que o ódio, preconceito e a falta de respeito também ignoram leis, letras e normas, mas ter o direito assistido é pedra fundamental para a existência, paz e igualdade. Doença Distúrbio Transtorno Disfunção Desvio Síndrome Desequilíbrio Safadeza Falta de Vergonha na cara. Todas essas palavras já foram muito usadas (e infelizmente ainda são) para se referir à população LGBTQI . Homofobia é crime Assim como em outros países, no Brasil homofobia é crime e ainda que não tenha uma lei específica para tal, é entendido e aplicada a lei contra o racismo, até que se tenha uma legislação específica. Exercer a tolerância, respeito e viver de maneira harmoniosa não é favor, mas sim lei. Doação de sangue O que aumenta o direito à cidadania desta população e auxilia no combate do retrógrado conceito de grupo de risco – o que existe é comportamento de risco. Me formei na UFMG, universidade pública de qualidade e que é comprometida com a igualdade, respeito e desenvolvimento do país. Quando estava à frente da Coordenação Geral do Diretório Acadêmico Alfredo Balena (DAAB), órgão representativo dos estudantes de medicina da universidade, aprovamos a inclusão do nome social nos diplomas, mesmo antes de ser lei e estruturamos o primeiro processo seletivo para trabalhar na sede do DAAB, exclusivamente para pessoas Trans. Conseguimos impactar no ambiente asséptico e tradicional da Medicina levando o direito ao trabalho para aqueles que, muitas vezes, vivem a margem do que a sociedade pode oferecer. O impacto no nosso microcosmo foi sensacional, conseguimos estampar na cara de cada um de nossos colegas que tudo aquilo deve ser normal. Sabemos que é uma gota de esperança no oceano de dificuldades mas porque não impulsionar voos com as asas que temos? Os setores da saúde devem caminhar para garantir a integralidade e equidade para a população LGBTQI e não somente políticas associadas à doenças sexualmente transmissíveis, infectocontagiosas ou transtornos mentais. Os princípios de integralidade, universalidade e equidade devem atender a todos e este grupo precisa ser visto, respeitado e acolhido. Este ano a parada LGBTQI foi transmitida pela internet – adaptações realizadas para o nosso cenário atual, mas o importante é que de alguma forma ela aconteceu. Espero que não seja um retrocesso e “volta para o armário”, que a cada ano possamos ser testemunhas de ações e políticas públicas que zelem pelo respeito, liberdade e justiça sem esquecer das lutas, mortes e tudo o que aconteceu para melhorarmos como pessoas e como sociedade. Fonte: Estado de Minas