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Artigo – ConJur - Tabeliães e registradores não devem responder por antigos débitos trabalhistas – Por Alan Brizola

Matéria que carece de um melhor exame pela Justiça do Trabalho é a relativa à sucessão trabalhista de tabeliães e registradores que prestam serviços notariais e de registro. Como se sabe, tais serviços hoje são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante concurso de provas e títulos (Constituição, artigo 236 e parágrafos). O gerenciamento administrativo e financeiro da serventia incumbe à pessoa natural investida na função, o que implica arcar com despesas de custeio, investimentos, contratação da mão-de-obra etc. Já os preços dos serviços notariais e de registro são fixados pela entidade delegante, e ostentam a natureza de taxas de serviços. À parte a questão dos antigos funcionários estatutários, com o advento da Lei 8.935/94 (artigos 20 e 48), que regulamentou o artigo 236 da Constituição, a mão de obra contratada pelo titular ou oficial da serventia passou a ser regida, a rigor, pela Consolidação da Leis do Trabalho. Assim, imagine-se que o Senhor K (escrevente de um tabelionato) tenha sido dispensado do emprego dez dias antes da outorga da delegação a novo titular, sem que recebesse do antigo empregador as verbas trabalhistas devidas. Conforme os precedentes do Tribunal Superior do Trabalho, a responsabilidade por tais créditos inadimplidos pelo anterior tabelião não poderá ser transferida ao novo titular da serventia, já que o referido Senhor K não fora por esse último contratado. Nesse sentido, veja-se trecho de Ementa do que ficou decidido no RR-166-51.2010.5.09.0084 (4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 20/3/2020): "(...) 2. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. MUDANÇA DE TITULARIDADE. CONTINUIDADE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NÃO EVIDENCIADA. SUCESSÃO TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA. PROVIMENTO. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, para que se verifique a sucessão de empregadores é necessária a coexistência dos seguintes requisitos: a modificação da estrutura jurídica na titularidade da empresa e a continuidade da prestação de serviços pelo empregado ao novo empregador (artigos 10 e 448 da CLT). Precedentes. No caso, conquanto houvesse a transferência da titularidade do cartório, não houve continuidade na prestação de serviços, sendo incontroverso que a autora não trabalhou para o novo titular, ora reclamado, ficando afastada a possibilidade de aplicação da sucessão trabalhista, prevista nos artigos 10 e 448 da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento". Nota-se diante da referida decisão que a transferência do passivo trabalhista só ocorrerá se o funcionário for contratado (ou mantido) pelo novo titular da serventia. Do contrário, inexiste qualquer responsabilidade por créditos trabalhistas anteriores à demissão. Todavia, há quem defenda que esse raciocínio não condiz com a função tutelar do Direito do Trabalho, sobretudo porque a teoria mais moderna da sucessão prevê as transmissões dos débitos unicamente com: I) a transferência da unidade econômico-jurídica; e II) a continuidade, pelo sucessor, da mesma atividade empresarial. Para essa corrente, é irrelevante, para fins de responsabilização do sucessor, se as verbas trabalhistas se originaram ou não de inadimplemento do antigo empregador, ou se o contrato de emprego tenha sido extinto antes da alienação da empresa. Veja-se, por exemplo, Garcia [1] e Leite [2]. Veja-se ainda este trecho do voto da desembargadora Maria Isabel Cueva Moraes do TRT — 2ª Região (Processo 1001620-53.2013.5.02.0241): "...A sucessão na seara trabalhista, de caráter menos formal que a do Direito Comum, opera ope legis e tem como pressuposto apenas a transferência do negócio, no todo ou em parte, ou seja, de uma unidade econômico-jurídica. É irrelevante para sua caracterização a continuidade na prestação de serviços pelo trabalhador, assim como a existência de vínculo entre sucedido e sucessor. Com isso, garante-se a intangibilidade dos contratos de trabalho em vigor ou que tenham sido extintos por ocasião desta alteração jurídica". Então, o busílis consiste em responder se essas premissas ou corrente teórica poderiam ser aplicadas a situações que envolvam tabeliães e registradores. Com efeito, é intuitivo que a natureza desses profissionais (operadores do Direito dotados de fé pública) e dos serviços que oferecem se diferenciam de outras atividades econômicas, uma vez que, embora considerados empregadores para fins do artigo 2º da CLT, prestam concurso público de provas e títulos para assumir um serviço, naturalmente, público. Fiscalizados pelo Poder Judiciário, possuem investidura originária, cuja relação jurídica se dá entre a nova pessoa (que assume o serviço) e a entidade delegante — e não com o antigo titular da serventia. Logo, tais profissionais, ao assumirem um determinado serviço notarial ou de registro, não recebem nenhum patrimônio (complexo de relações jurídicas) do anterior agente delegado e, sim, apenas outorga de serviço diretamente do Estado. Não há, enfim, nenhum ato ou negócio jurídico perfectibilizado entre novos agentes ingressantes na função e ex-agentes delegados desses serviços. Em outro giro, para fundamentar que a sucessão trabalhista no âmbito dos cartórios extrajudiciais dependeria da contratação dos antigos funcionários pelo novo agente delegado, conviria aplicar, pela via analógica, a Orientação Jurisprudencial 225 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais — SBDI do TST [3], segundo a qual só haverá transferência de responsabilidade trabalhista para a segunda empresa concessionária de serviço público se os pactos laborais assinados pela primeira empresa concessionária não forem extintos antes da referida outorga. Contudo, e apesar dessas relevantes premissas, encontram-se julgados de Tribunais Regionais do Trabalho que fundamentalmente as consideram inexistentes. Note-se, por exemplo, trecho do voto da desembargadora Kyong Mi Lee, do TRT — 2ª Região (Processo TRT/SP 1001408-36.2015.02.0314): "... Ao contratar empregados pelo regime da CLT, os titulares dos cartórios extrajudiciais, embora empossados no cargo por concurso público de provas e títulos, são equiparados a empregadores nos moldes do artigo 2º da CLT, e estão sujeitos às normas trabalhistas, inclusive para fins de configuração da sucessão de que tratam os artigo 10 e artigo 448 da CLT, independentemente da continuidade da prestação de serviços por parte do empregado para o novo titular, ou de assunção formal por este do passivo trabalhista". (grifo do autor) Além disso, há aqueles que contornam os precedentes do TST mesmo quando o empregado celetista tenha sido dispensado em data anterior à mudança de titularidade do cartório. Note-se a responsabilidade lançada sobre a segunda reclamada (isto é, quem assumia o tabelionato), por decisão de um juiz do trabalho, que foi ratificada in totum pelo TRT — 15ª Região (Processo 0010326-48.2017.5.15.0012): "... Este magistrado tem seguido fielmente a Jurisprudência acima por comungar plenamente deste entendimento. Porém, no caso em análise há particularidades que permitem fazer a distinção (distinguishing) de que trata o artigo 896-A, § 16, da CLT. (...) Com relação à Segunda Reclamada, a despeito de ter assumido a titularidade no dia 1º/2/2017, a prova produzida nos autos, demonstrou que ela, antes mesmo de estar formalmente habilitada para tanto e utilizando-se de um eufemismo ‘não recepcionado’, dispensou os funcionários cuja permanência no serviço não lhe interessava. (...) Se de fato a nova titular não tinha nenhum vínculo com os funcionários antigos até o dia 31/1/2017, não poderia, pessoalmente ou por meio de prepostos, convocá-los para comunicação da dispensa, ou da 'não recepção'. Se assim fez, assumiu o ônus da despedida, até mesmo de acordo com a regra contida no artigo 187 do Código Civil. O fato de ter se utilizado de terceiros para a prática do ato em nada altera a conclusão acima, diante do que dispõe o artigo 932, III, do mesmo Código. Da conduta ilícita da Segunda Reclamada decorre sua responsabilidade pela satisfação das verbas rescisórias devidas à Reclamante". Diante do citado raciocínio, sobram as seguintes perguntas: — Se aquele(a) que logrou aprovação no concurso comunicar aos antigos funcionários de que não os manterá na serventia, ficaria responsável pela verba trabalhista? É isso o que enunciam os precedentes do TST? — Se, ao não recepcionar (querer) tais funcionários, estaria assumindo o ônus da relação empregatícia, então qual o seu real poder de gestão deferido pelo artigo 21 da Lei 8.935/94? [4] Tais indagações demonstram a incerteza e a insegurança jurídicas a que ficam sujeitos esses profissionais, os quais, após confiarem nas letras dos artigos 236 e parágrafos da Constituição, e 3º da Lei 8.935 (regime de responsabilidade pessoal somente depois do ingresso na função), são surpreendidos como legítimos sucessores de obrigações trabalhistas oriundas de inadimplementos dos anteriores titulares da serventia. Essa lógica desconsidera que normas jurídicas e decisões de tribunais não raro impõem custos econômicos, o que geram incentivos de comportamentos aos destinatários delas, no sentido de legitimamente buscarem fugir dos seus efeitos. Se as Cortes declaram que a sucessão trabalhista de Tabeliães e Registradores independe da manutenção ou preservação dos anteriores contratos de trabalho, então existem nessas decisões verdadeiros incentivos para que tais destinatários (antigo titular e aquele aprovado no concurso) contornem a referida obrigação. Ou seja, o antigo titular, por sentir-se desobrigado a responder pelo débito trabalhista após findar sua delegação, seria incentivado a inadimplir o contrato; já quem logrou aprovação no certame, por sentir-se responsável por passivo trabalhista de outro titular, seria incentivado a não assumir tal função. Por consequência, o Estado brasileiro está a gerar uma espécie de esvaziamento do regime de delegação, impedindo o pleno provimento dessas funções e, pior, a violar o princípio administrativo da proteção à confiança, dado o desapreço estatal às expectativas subjetivas de remuneração e segurança jurídica daqueles que assumiriam o serviço notarial e registral [5]. Por isso, para não desconsiderar os direitos do obreiro e as expectativas de solvência do novo ingressante na função, seria razoável que o Estado respondesse, ao menos subsidiariamente — sobretudo quando houvesse vacância da serventia — por ocasional inadimplência trabalhista. Porém, não é incomum que a entidade delegante, mesmo a receber, a títulos de emolumentos, percentual dos valores dos serviços prestados, sustente em juízo a sua absoluta irresponsabilidade pelos débitos oriundos da dispensa do empregado cartorário — o que vem sendo chancelado, aliás, pelo TST. Veja-se o que ficara decidido no RR-145000-51.2008.5.01.0243 (3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 30/4/2015). Em suma, se é verdade que os créditos oriundos da legislação do trabalho, pela sua característica alimentar, merecem a salvaguarda da Justiça do Trabalho, não é menos verdade que a teoria do Direito Administrativo, o regime jurídico e os princípios dele decorrentes aplicáveis a Tabeliães e Oficiais de Registro devem diminuir os fins dos artigos 10 e 448 da CLT extraídos da versão mais moderna da sucessão trabalhista. Afinal, a situação desses profissionais envolve um feixe de relações jurídicas cujo exame deve ser feito, sempre, de modo multidisciplinar. Fonte: Consultor Jurídico