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Artigo – A Tribuna - Testamento extraordinário em tempos de pandemia – Por Ana Lúcia M. Simão Cury

A vida nos traz situações que acabam por ampliar ainda mais a possibilidade de utilização de meios legais colocados à nossa disposição Cá estamos, queridos leitores, na alegria, na tristeza e também nos momentos difíceis. Conhecíamos uma realidade, antes de março/20, e agora vivemos uma outra realidade – assustadora – na presença de um inimigo invisível, que perdurará até que a vacina ao maldito vírus seja encontrada. Mas, certamente, nunca mais seremos os mesmos depois de tudo isso, o que me fez pensar neste tema, que sinceramente, na análise detida, acreditei fosse pouco aplicável em nosso cotidiano. A lavratura de um testamento – que nada mais é do que a disposição de última vontade do testador – se confeccionado por ato público ou particular, pressupõe seja acompanhado de duas ou três testemunhas, respectivamente, por expressa disposição da legislação civil. Mas, o mesmo Código Civil (artigo 1.879) prevê uma outra forma de testamento, extraordinária, que, pasmem meus caros leitores, sempre interpretei como um cenário bem distante de nossa realidade. Confesso, agora, que me enganei. Este testamento, permite que o testador, declarando a situação excepcional que se encontra, realize o ato, de próprio punho, subscrevendo-o, sem a presença de uma testemunha sequer. A doutrina, para exemplicar situações como estas e, convenhamos, nada melhor do que um bom exemplo, ensina que este tipo de testamento pode ser realizado pela vítima de um sequestro, por um indivíduo perdido na selva, para outro na guerra etc. Primeiramente, pressuposto – pouco crível - é que todas estas pessoas citadas acima, estejam munidas de um papel e uma caneta, o que, nas circunstâncias descritas pode não ser uma tarefa tão fácil assim, concordam? Sozinho no cárcere, sozinho na selva ou isolado na guerra, desde que diante de um papel e uma caneta, pode o testador lavrar a sua disposição de última vontade. Pois bem, sempre achei estarmos distantes da pratica deste ato, até que o malsinado vírus surgiu, e a ideia do testamento excepcional, tão distante, a princípio, pode agora se tornar uma prática comum nos dias atuais. Tome-se como exemplo extremo, diante da pandemia, alguém em completo isolamento, inserida no grupo de risco, em obediência as orientações governamentais, que tenha a intenção de lavrar um testamento. Chegaríamos a conclusão, que a legislação citada acima, tem perfeita adequação para os dias atuais, desde que admitido, posteriormente, judicialmente, que aquela situação em que se encontrava o testador era realmente excepcional, a ponto de o mesmo não ter qualquer condição de reunir duas ou três testemunhas para o ato. É preciso se destacar que, se passados 90 dias e o testador não falecer, razão não se tem para atribuir ecácia a este tipo de ato extraordinário, já que recuperado, pode o testador praticar o ato através da convocação de duas ou três testemunhas, a depender da forma escolhida, ato público ou particular. Sim, caros leitores, a vida nos traz situações que acabam por ampliar ainda mais a possibilidade de utilização de meios legais colocados à nossa disposição. Seria mais fácil, o isolado ter papel e caneta, lavrando sua última vontade, do que aqueles outros personagens do início desta minha fala, o sequestrado, o perdido na selva, ou o soldado na guerra. Aqui está, portanto, mais uma ferramenta disponível para estes momentos tortuosos que estamos passando, onde a vontade do testador pode prevalecer, ainda que materializada por uma simples caneta e um papel. Fonte: A Tribuna