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Artigo – O Globo - Vulnerabilidade na hora da morte – Por Eliane de Lima Pereira, Roberta Rosa Ribeiro e André Luiz de Souza Cruz

Pandemia traz o risco de mais sepultamentos sem identificação A Constituição Federal estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Nesse sentido, a pandemia do coronavírus traz ao Ministério Público enormes desafios, uma vez que potencializa vulnerabilidades que decorrem de o Brasil ser o sétimo país com mais desigualdade do mundo. Sabe-se, por exemplo, que a taxa de sub-registro dos nascimentos é um indicador que reforça a existência de pessoas excluídas. Também inexiste no Brasil uma base unificada dos dados de identificação, que contenha os registros biométricos de toda a população, o que acarreta o sub-registro de óbitos. Pesquisa realizada pelo Imperial College de Londres infere que haverá em todo o Brasil cerca de 44 mil mortes decorrentes da pandemia, mantidas as medidas de distanciamento social, podendo chegar a mais de 500 mil, se estas forem flexibilizadas. No melhor cenário, com a necessidade do rápido encaminhamento dos corpos para sepultamento ou cremação, estima-se um aumento significativo do número de inumações de pessoas não identificadas. Os corpos dos mais vulnerárias têm mais chances de terem a sua história documental encerrada por uma certidão de óbito contendo os termos pessoa desconhecida. Com esta perspectiva, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro investe em seu Programa de Localização e Identificação de Pessoas Desaparecidas  (PLID/MPRJ), criado em 2011, eleito como padrão pelo Conselho Nacional do Ministério Público e adotado por todos os demais MPs estaduais, dando origem ao Sistema Nacional de Localização e Identificação de Pessoas Desaparecidas (SINALID), em funcionamento desde 2017 e que já ultrapassou a marca de 70 mil registros.  O SINALID presta inestimável serviço à população, servindo como ferramenta em fatos cotidianos e casos dramáticos, como a tragédia de Brumadinho, ocorrida em janeiro de 2019. Com a inserção de dados de corpos não identificados, como altura, cor, idade estimada, fotografia da face e digitais, aumentam-se sobremaneira as chances de identificação posterior, garantindo-se um mínimo de cidadania, ainda que post mortem, a quem teve os seus direitos violados em vida. A correta identificação do paciente em vida também é fundamental, não apenas para obter informações básicas para um diagnóstico social, mas também como forma de conhecer sua condição de saúde pregressa, garantindo o melhor atendimento médico e terapêutico em caso de internação. A motivação primeira para o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas pelo MPRJ é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bastião primordial de nossa Constituição. Há um ganho social diferido na medida em que fraudes de inúmeras naturezas, como penal ou previdenciária, podem ser evitadas quando se sabe a quem pertenceu o corpo que precisa ter um destino final. Neste momento difícil, é com enorme consciência e responsabilidade que a instituição se volta à sua sagrada missão constitucional e coloca todos os seus recursos, materiais e humanos, a serviço da sociedade. Fonte: O Globo