Em 10 de maio de 2016 foi publicada a Lei 13.286 que modificou a responsabilidade civil dos notários e registradores no exercício de sua atividade típica, alterando pela segunda vez o teor do artigo 22 da Lei 8.935/1994[1]. Aliás, a primeira alteração foi trazida pela Lei 13.137/2015. Sem dúvida, a extrema relevância da atividade notarial e registral na contemporaneidade traz sempre à baila tanto para a doutrina como a jurisprudência o tema sobre a responsabilidade de tabeliães e registradores. De fato, trata-se de questão complexa a que versa sobre a responsabilidade civil por atos praticados por notários e registradores vigendo muita controvérsia que promovido acaloradas discussões, principalmente quanto a necessidade de demonstração de culpa dos sujeitos incumbidos e investidos no exercício da atividade de caráter pública por delegação, conforme prevê o artigo 236 da Constituição Federal Brasileira vigente. Surgiram muitas correntes doutrinárias procurando explicar amiúde a natureza de tal responsabilidade. Logo em prima facie, há o posicionamento prevalente nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, endossado por grande parte da doutrina, de que os tabeliães e oficiais de registro são funcionários públicos, ainda que estejam no exercício de seus serviços ocorra em âmbito privado, de modo que o Estado deverá responder objetivamente pelos danos causados por tais sujeitos promovidos aos usuários do referido serviço. Aliás, no dia 27 de fevereiro de 2019, o Plenário do STF julgou, em sede de repercussão geral, o Recurso Extraordinário 842.846 que trata do Tema 777, intitulado “Responsabilidade civil do Estado em decorrência de danos causados a terceiros por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções”. Na ocasião, o notável Ministro Luiz Fux afirmou que esse recurso teria objeto mais amplo e largo que o estampado no acórdão de repercussão geral. Isto porque, ao descrever o referido objeto do recurso em comento, o Relator assinalou que se tratava de: Recurso Extraordinário em que se se discute, à luz dos artigos 37, §6º e 236 da Constituição Federal, a extensão da responsabilidade civil do Estado em razão de dano ocasionado pela atuação de tabeliães e notários. Debate-se, ainda, sobre o tipo de responsabilidade civil, se objetiva ou subjetiva, que rege a atuação dos registradores e tabeliães. Depois das sustentações orais feitas pela ANOREG-BR por meio do Dr. Dixmer Vallini, pelo IEPTB-BR, através do Dr. Maurício Zockun, pelo CNB, representado por Dr. Rui Fragoso e, ainda, pelo Procurador Estadual de Santa Catarina, o Ministro Luiz Fux esclareceu que o tema veiculado no recurso extraordinário seria mais restrito do que aquele anteriormente descrito, limitando-se, portanto, à seguinte questão: Responsabilidade civil do Estado em decorrência de danos causados a terceiros por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções. E, em face de tal restrição do objeto do julgamento, o Ministro Fux trouxe para sessão um novo voto, não anteriormente distribuído aos demais pares da Corte. Findos os debates, o Plenário do STF finalmente fixara a seguinte tese, a saber: “O Estado responde objetivamente pelos atos dos tabeliães registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem danos a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa”. O entendimento prevalente formado que infirma aquele atualmente reinante no STJ, no sentido de que o Estado deve ser acionado diretamente pela parte supostamente prejudicada em razão de prática de ato notarial e/ou de registro que, em tese, lhe tenha causado danos. Nesse contexto, o notário ou registrador deve ser acionado pelo Estado, em ação regressiva a que alude o artigo 37, §6º da Constituição Federal do Brasil vigente, nos casos de dolo ou culpa na prática do ato danoso. Conclui-se que o STF reconheceu a responsabilidade subjetiva[2] dos delegatários dessa função pública, a ilegitimidade do notário ou registrador para figurar em ação de responsabilização civil ajuizada pelo usuário supostamente lesado; a legitimidade do notário ou registrador para figurar em ação regressiva, a ser ajuizada pelo Estado, em razão de condenação judicial imposta ao Poder Público pelo ato danoso produzido pelo agente delegado, caso em que sua condenação exigirá a demonstração da sua responsabilização subjetiva. Convém mencionar que restaram vencidos os Ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio que defenderam a aplicação do artigo 22 da Lei 8935 aos notários ou registradores, afastando-se a aplicação do artigo 37, §6º da Constituição da República. Também restou vencido, na mesma ocasião, o Ministro Edson Fachin que entendeu que os notários e/ou registradores devem ser responsabilizados, direta e objetivamente, nos termos do artigo 37, §6º da CF/1988, razão porque declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 22 da Lei 8935. Finalmente, sacramentada a repercussão geral[3], algumas questões reflexas prosseguem em debate, a saber: como essa repercussão geral confirmou a jurisprudência sedimentada do STF sobre a matéria, poderá o notário ou registrador arguir sua ilegitimidade em ação de responsabilização civil que lhe tenha sido ajuizada e que esteja, presentemente em curso? A condenação judicial passada em julgado, fundada na responsabilização civil objetiva do notário ou registrador poderá ser objeto de ação rescisória? A ação regressiva a ser proposta em face do notário ou registrador exige a instauração de prévio processo administrativo, de forma a se apurar a existência de ato ilício praticado com dolo ou culpa pelo delegatário; e, em sendo isto feito, atestará a oposição do notário ou registrador ao pagamento dos valores mensurados pelo Estado, revelando a existência de um pretensão resistida? Infelizmente, tais questões permanecem sem resposta. Oscilando a jurisprudência numa miríade de diferentes entendimentos. Na abertura do julgamento, em quatro votos, três teses foram suscitadas, a saber: a do relator Ministro Fux, seguido do Ministro Alexandre de Moraes, e que acabou vencedora, a do Ministro Luiz Edson Fachin, segundo a qual os cartorários deveriam assumir responsabilidade sobre os próprios desde que são agentes públicos mas delegados e em regime especial, e a do Ministro Barroso, para quem a decisão questionada deve prevalecer porque segue a jurisprudência, mas esta deveria ser revista, pois o Estado não deveria arcar com ônus se não conta com as receitas dos serviços. O referido recurso foi interposto pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão do TJ local que entendeu que o Estado, na condição de delegante dos serviços notariais, responde objetivamente pela reparação de tais danos em decorrência do §6º do artigo 37 da Constituição Federal. O STF manteve a decisão. Ressaltou a Ministra Rosa Weber, na abertura da sessão e ao acompanhar o Relator, o Ministro Fux, ressaltou que persiste a garantia de direito de regresso do Estado contra os cartorários na hipótese de responsabilidade subjetiva. Quando deve ser informada, nesse caso, por dolo e culpa. A Ministra Weber afirmou enxergar, no caso, responsabilidade solidária. Então, não há nada que impeça que se demande Estado e de cartorários, ou exclusivamente do Estado. Basta a comprovação de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo, apontou. Conforme a ênfase dada pela Ministra Weber, quando o cidadão procura serviços cartorários, ele está se valendo de serviço de natureza pública “Não se pode viver em sociedade se não tiver os atos de sua vida objeto de registro”, afirmou. Na mesma linha, a Ministra Cármen Lúcia deu maior destaque ao entendimento de que se deve ser obrigatório ao Estado o regresso de culpa ou dolo ao agente. Mantenho decisão do tribunal no sentido de ser possível e responsabilizando o Estado de Santa Catarina sem embaraço de que possa ser acionado também o agente e sem embargo de rediscutirmos o tema em outro momento. Tenho sempre enfatizado que é obrigatório o regresso de dolo ou culpa, disse. O Ministro Lewandowski afirmou ter mudado de posição ao acompanhar o debate provido pelos demais pares no Plenário. Afirmou, in litteris: Precisamos ouvir os argumentos para firmar convicção. Depois dos debates, acabo optando pela solução do relator. A jurisprudência reafirma aquilo que está contido no artigo 236 da CF, que assenta que os serviços notariais e de registros são exercidos por particulares, mas por delegação do Estado. Então, em derradeira análise, o Estado é responsável. É uma atividade submetida ao regime de direito público, explicou. Para ele, é importante anotar que se trata de serviço obrigatório ao particular, que não pode fugir de emitir certidão de nascimento, transferir propriedade imobiliária. Quanto à responsabilidade pessoal dos notários e registradores havia basicamente duas correntes doutrinárias. A primeira apontava para responsabilidade objetiva com fundamento na redação e gramaticidade do artigo 22 da Lei 8.935/1994, posteriormente, alterada pela Lei 13.137/2015 “Os notários e oficiais de registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, inclusive pelos relacionados a direitos e encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”. A redação permitia a interpretação de que a responsabilidade dos oficiais de registro e tabeliães independia de aferição da culpa na contratação dos prepostos, bem como da negligência destes durante a prática dos atos. A legislação adotava, portanto, a teoria do risco, imputando ao titular responsabilização objetiva e garantindo regressividade contra quaisquer dos seus serventuários apenas em caso de dolo (culpa lato sensu) ou culpa stricto sensu (leve ou levíssima). Já a segunda corrente doutrinária sustentava a incidência de responsabilidade pessoal subjetiva de notários e registradores, mediante a interpretação contextual baseada principalmente do artigo 38 da Lei 9.492/1997, interpretando-o analogicamente aos oficiais de registro. “Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”. Por ser a Lei 9.492/97 superveniente, incidiria para todos os titulares de delegação, alterando, portanto, a teleologia da Lei 8.935/94, cuja redação originária remonta 1994. Uma crítica a essa corrente pode ser realizada na medida em que, pelo fato de a Lei 9.492/97 regular particularmente os Tabeliães de Protesto de Títulos, ao passo que o artigo 22 da Lei 8.935/94 continuaria em vigor em relação aos oficiais de registro e demais tabeliães, porquanto não expressamente revogado pela lei posterior, bem como não conflitante com as suas disposições, no que tange os demais prestadores de serviços notariais e registrais. Doravante com a redação dada ao artigo 22 da Lei 8935/94 pela Lei 13.286/2016, cessa-se a polêmica quanto à responsabilidade pessoal do oficial de registro e notário, os quais responderão subjetivamente por danos causados no exercício da atividade típica. “Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”. É relevante distinguir, no entanto, o dano decorrente do exercício de atividade típica de registro, que consiste em qualificar títulos, devolvê-los ou assentá-los, ou no caso do tabelião, instrumentalizar a vontade das partes de modo a gerar eficácia, da atividade atípica, anexa ao serviço registral e notarial. Apenas em relação à primeira aplicam-se as regras do artigo 22 da Lei 8.935/94(responsabilidade subjetiva). Ocorrendo o dano em razão da relação de consumo criada entre os prestadores e o usuário (é o caso, por exemplo, se usuário se machuca ao escorregar no interior do cartório, aplicam- as regras de responsabilidade objetiva do CDC (através do diálogo das fontes). É evidente que a lei traduz um notável progresso, vez que proporciona aos notários e registradores a possibilidade de ousarem mais na prática de seu ofício. E, o notário rompe o liame causal no exercício da atividade e, portanto, mitiga os efeitos indenizatórios quando informa minuciosamente os efeitos ao usuário, fazendo constar ainda informações adicionais nas escrituras públicas. No que se refere ao registrador, para romper o nexo de causalidade, pode qualificar negativamente o título apresentado, que resta submisso à dúvida registral, ocasião em que a responsabilidade civil passa ao Estado. Assim, em síntese, a nova redação dada ao artigo 22 da Lei 8.935/94 põe fim à controvérsia sobre a responsabilidade civil de notários e registradores por dano causado aos usuários na prática da atividade pública a estes delegada. Porém, se o dano causado por atividades anexas à notarial e registral, muitas vezes criadas em razão de uma relação jurídica de consumo entre o oficial e usuário, a responsabilidade civil será objetiva, conforme os termos do artigo 14 do CDC. Analisando os critérios para que sejam aplicadas as normas do Código de Defesa do Consumidor e as formas de vulnerabilidade do consumidor. A identificação do destinatário final, ou seja, aquele adquire produto ou serviço para uso próprio (bem de consumo) sem finalidade de produção de outros produtos ou serviços. Se é para o uso próprio é consumidor. Mas, se o produto adquirido integrar a cadeia de produção da atividade da pessoa jurídica. Como por exemplo, um carro para o diretor da empresa, ou o computador para o despachante. Se está cogitando numa cadeia produtiva, portanto, não é consumidor. E, nesse caso, aplica-se o Código Civil e, as normas atinentes aos contratos comuns e contratos empresariais. Também não incide o CDC quando se puder identificar o destinatário final e o produto ou serviço servir especificamente como bem de produção para ou produto ou serviço. Excepcionalmente, aplica-se o CDC quando houver aquisição de produto ou serviço típico de produção por consumidor (como por exemplo, a aquisição de aeronave para uso particular). Quanto as formas de vulnerabilidade que pode sofrer o consumidor. Temos: a técnica, a jurídica, fática e a informacional. A vulnerabilidade técnica que nada mais é do que o desconhecimento técnico sobre o objeto (produto ou serviço) da relação de consumo. A vulnerabilidade jurídica é a falta de conhecimento jurídico que permita ao consumidor entender as consequências jurídicas daquilo a que se obriga e se desvencilhar das abusividades do mercado. A vulnerabilidade fática ou econômica, por sua vez, consiste no reconhecimento da fragilidade do consumidor frente ao fornecedor que, por sua posição de monopólio, fático ou jurídico, por seu forte poderio econômico ou em razão da essencialidade do produto ou serviço que fornece, impõe sua superioridade a todos que com ele contratam. A vulnerabilidade informacional advém da ausência, insuficiência ou complexidade da informação prestada que não permite a plena compreensão pelo consumidor. Trata-se de rol exemplificativo, e que naturalmente pode ser acrescido na casuística. Também há de se considerar as formas de hipervulnerabilidade que são as condições que contextualizam o consumidor e que o torna mais vulnerável, além de possuir a vulnerabilidade comum como mais um fato especial. É o caso de crianças (precisa-se considerar que são pessoas em formação, e não pode se realizar publicidade voltada a estas), gestantes (que podem ter restrições quanto alimentação e outros itens de consumo) e idosos que tem menor capacidade de entendimento. Os enfermos os endividados, as pessoas portadoras de necessidades especiais ou de sensibilidade em face de certas substâncias e produtos[4]. Há ainda que se sublinhar que não pode retroagir o CDC para atingir os fatos anteriores a edição de sua própria lei (1991). Enfatiza a doutrina, na lavra de Rizzato Nunes que a relação de consume ocorre sempre que se puder identificar num dos polos da relação ao consumidor, no outro, o fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços. Cabe ressaltar, ainda que a relação de consumo se caracteriza por meio do consumidor adquirindo um produto ou serviço colocados no mercado de consumo através da figura do fornecedor, por meio dessa negociação entre ambos. A teoria prevalente na identificação do consumidor é a teoria finalista aprofundada que é pautada na noção de se enquadrar a pessoa jurídica como consumidora desde que comprovada a sua vulnerabilidade, isto é, tal posicionamento realiza o exame in concreto do conceito de consumidor. Cláudia Lima Marques in litteris informa que: “é uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área de serviços, provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Essa nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás. Isso porque o CDC conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave aqui é o de vulnerabilidade”. (grifo meu) Constata-se que esta teoria se caracteriza pela vulnerabilidade, que restando comprovada se aplica a teoria finalista aprofundada, sob a égide do CDC, de acordo com a jurisprudência do STJ: CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ – REsp: 1195642 RJ 2010/0094391-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 13/11/2012, T3 – TERCEIRA TURMA). A teoria finalista aprofundada somente pode ser aplicada, levando em consideração a vulnerabilidade da pessoa jurídica na relação de consumo para que haja a incidência do CDC. O CDC define o fornecedor em seu art. 3º como “[…] toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Por conseguinte, Almeida, ainda esclarece que este conceito: fornecedor é não apenas quem produz ou fabrica, industrial ou artesanalmente, em estabelecimentos industriais centralizados ou não, como também quem vende, ou seja, comercializa produtos nos milhares e milhões de pontos-de-venda espalhados por todo o território brasileiro. Sendo assim, também é necessário salientar que pessoas físicas ou jurídicas, são as empresas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras que colocam os produtos à disposição do consumidor ou fornecem serviços no mercado de consumo. Entende-se como pessoas físicas, os profissionais que exercem a função de arquiteto, médico, dentista, pedreiro, eletricista, dentre outros, já as pessoas jurídicas, são as lojas, os restaurantes, as padarias, supermercados, etc. Para finalizar, pessoas públicas são aquelas que prestam o fornecimento de serviço de energia elétrica e água e saneamento. Conclui-se que toda pessoa que desenvolve atividade de produção, monta, cria, constrói, transforma, importa, exporta, distribui ou comercializa um produto ou serviço é denominada fornecedor. Elementos objetivos da relação de consumo Nos termos do art. 3º, § 1°, do CDC, “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”, colocado no mercado de consumo. Conforme conceitua Filomeno, “produto (entenda-se ‘bens’) é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final”. Entendido o conceito, destaca-se que os produtos se classificam em durável que é aquele que tem um tempo de vida útil, podendo variar conforme o produto, ou seja, não acaba ao ser utilizado, como exemplo podemos citar um celular, já o produto não durável, acaba logo após ser utilizado, dentre eles estão os alimentos. Logo, todo bem que for comercializado no mercado de consumo é considerado produto. O serviço é previsto no art. 3º, § 2º, do CDC, como “[…] qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. No que diz respeito ao enunciado do art. 3º, § 2º, do CDC, ensina Tartuce: cumpre esclarecer que, apesar de a lei mencionar expressamente a remuneração, dando um caráter oneroso ao negócio, admite-se que o prestador tenha vantagens indiretas, sem que isso prejudique a qualificação da relação consumerista. Como primeiro exemplo, invoca-se o caso do estacionamento gratuito em lojas, shoppings centers, supermercados e afins, respondendo a empresa que é beneficiada pelo serviço, que serve como atrativo aos consumidores. Portanto, entende-se que mesmo o estacionamento sendo oferecido a título gratuito, pode implicar em responsabilidade ao estabelecimento que se beneficiou deste serviço em caso de eventual furto de um veículo, não interferindo na relação de consumo o fato de não ser oneroso. Conclui-se que para serem aplicadas as normas do CDC, amparando o consumidor é necessário que se esteja diante de uma relação de consumo. A relação de consumo nada mais é que uma espécie de transação comercial, onde o fornecedor coloca um produto ou serviço no mercado de consumo disponibilizando ao consumidor. Então, se estiverem presentes o consumidor, fornecedor, produto ou serviço, há relação de consumo, incidindo as normas do CDC. O conceito utilizado ao denominar consumidor gera controvérsias, tanto é que por isto se desenvolveram três teorias, a finalista, a maximalista e a finalista aprofundada. No ponto de vista finalista, que no meu entendimento considero a mais correta, de acordo com o art. 2º, do CDC, a análise é mais restrita, tendo como consumidor a pessoa física e a jurídica, desde que seja o destinatário final, exaurindo o seu fim econômico, utilizando o produto ou serviço para si. A teoria maximalista vê o consumidor de maneira mais ampla, onde a pessoa jurídica e o profissional são consumidores, sem se importar com a questão do destinatário final, ou se o produto e serviço serão revendidos, com o objetivo de obter lucro. Por último, surgiu a teoria finalista aprofundada, que é bastante coerente considerando a vulnerabilidade da pessoa jurídica, como consumidor e que observa a sua destinação final. Constatada a vulnerabilidade, são aplicadas as normas do CDC, a pessoa jurídica, em respeito a este princípio em face do consumidor. Quanto ao fornecedor, é aquele que põem no mercado o bem (móvel, imóvel, material ou imaterial), ou serviço estabelecido em lei como remunerado, mas que pode se efetivar indiretamente de forma gratuita. O objetivo deste artigo direciona-se ao assunto tão simples, porém complexo, onde foi possível compreender que para aplicar as normas do CDC, para solucionar os conflitos e demandas dos consumidores deve haver uma relação de consumo, que somente existe com os seus elementos que são de extrema importância. É debatida a natureza jurídica dos serviços notariais e registrais. Devendo-se destacar que se trata de natureza pública e o seu exercício que é privado. Sobre o tema, Walter Ceneviva que a atividade registrária, embora exercida em caráter privado, tem característicos típicos de serviço público. Desta forma, os titulares que exercem as atividades notarias e de registros são considerados agentes públicos em colaboração com o Poder Público. O STF ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2602/2002 sobre a aposentadoria compulsória por idade considerou que os serviços notariais e de registro têm natureza pública. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público — serviço público não-privativo (grifo meu). Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CF/1988 — aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (grifo nosso). Evidenciando que a atividade notarial e de registro, embora exercida em caráter privado, tem natureza pública. Corroborando tal entendimento doutrinário, cita-se Luís Paulo Aliende Riberio, o qual enfatiza que são peculiares e exclusivos os contornos da função pública notarial e de registros no Brasil. A atividade apresenta uma face pública, inerente à função pública e por tal razão regrada pelo direito público (administrativo), que convive, sem antagonismo, com uma parcela privada, correspondente ao objeto privado do direito notarial e registral e ao gerenciamento de cada unidade de serviço, devido estar regrada pelo direito privado. Adiante, o nobre doutrinador esclarece: “o serviço público vai até o reconhecimento de que se trata de função estatal; de que o Estado mantém a titularidade do poder da fé pública cujo exercício delega a particulares, o que abrange a regulação da atividade no âmbito da relação de sujeição especial que liga cada particular titular de delegação ao Estado outorgante, a organização dos serviços, a seleção (mediante concurso de provas e títulos) dos profissionais do direito, a outorga e cessação da delegação, a regulamentação técnica e a fiscalização da prestação dos serviços para assegurar ao aos usuários sua continuidade, universalidade, uniformidade, modicidade e adequação”. Frise-se ainda oportunamente que a fiscalização das serventias notariais e de registros é desempenhada pelo Poder Judiciário e pelo juízo competente, assim definido nas esferas estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário e de oficial de registro, ou de seus prepostos. Em tempo deve-se mencionar ainda que os titulares das serventias notariais e de registros têm o direito na percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia. Neste caso, os emolumentos são considerados tributos pertencentes à categoria de taxa, conforme entendimento do STF, in litteris: “Sobre a natureza tributária (taxa), a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos (grifo meu), sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina. (STF – ADIn 1.378-5 – TP – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 23.05.1997) JCF.236”. (grifo nosso). Entendendo a natureza jurídica dos atos notariais e registrais, compreende-se adequadamente a responsabilidade civil objetiva aplicada aos notários e registrados no desempenho de suas precípuas funções[5] *Gisele Leite – Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica. Fonte: Jornal Jurid