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Artigo – A relativização da ineficácia das garantias em incorporação imobiliária – Por Maurício Barros Regado

Mesmo com o aquecimento do mercado imobiliário, muitas construtoras se socorrem aos agentes financeiros para buscar crédito e assim viabilizar a incorporação imobiliária com novos lançamentos no mercado. No entanto, na maioria dos casos de concessão de crédito pelos agentes financeiros, é exigido que as construtoras prestem garantias, as quais estão diretamente ligadas ao próprio empreendimento. A garantia mais utilizada pelos agentes financeiros é a hipoteca sobre as unidades autônomas a serem construídas. Com ela, a construtora mantém o bem sob sua propriedade, apenas gravando-o para a garantia de uma obrigação. Uma outra operação utilizada pelos agentes financeiros com função de garantia é a alienação fiduciária sobre as mencionadas unidades. Neste tipo de operação, o agente financeiro (credor) é o titular da propriedade fiduciária do bem objeto da garantia, até que a construtora pague a dívida. Embora menos utilizada que a hipoteca, a alienação fiduciária vem ganhando força nos negócios imobiliários em razão de possibilitar ao agente financeiro ou credor mais celeridade para buscar a satisfação do débito contratual inadimplido, à medida em que não se faz necessária uma execução judicial, mas mero procedimento perante o registro imobiliário do bem. Paralelamente à relação contratual entre construtora e agente financeiro, ocorre quase sempre a relação contratual da construtora, que se compromete a vender a unidade autônoma, com o adquirente desta, o qual se compromete a comprá-la, por meio do denominado instrumento particular de compromisso de compra e venda. Apesar de não participar da relação entre construtora e agente financeiro, o adquirente da unidade autônoma se vê muitas vezes impossibilitado de alcançar a propriedade plena dela, mesmo após ter quitado as parcelas contratuais que lhe competiam, em razão daquelas garantias (hipoteca ou alienação fiduciária) instituídas em favor do agente financeiro pela construtora. Por conta da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça, foi estabelecido o entendimento de que “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Embora a referida súmula nada estabeleça sobre a garantia por meio de alienação fiduciária, diversas ações judiciais de adquirentes passaram a sustentar a aplicação por analogia dessa súmula, de forma a tornar ineficaz a alienação fiduciária. No ano de 2019, o Superior Tribunal de Justiça, de forma colegiada e no julgamento de dois recursos especiais(1), pronunciou-se sobre o tema e chancelou o entendimento de aplicar por analogia a referida Súmula 308 para tornar ineficaz a alienação fiduciária com relação ao adquirente da unidade. Com isso, pretende o Superior Tribunal de Justiça proteger o adquirente de boa-fé que cumpriu o contrato de compra e venda do imóvel e quitou o preço nele estipulado, tanto no caso de hipoteca como no de alienação fiduciária. No entanto, constata-se em um dos julgamentos realizados em 2019 sobre o tema pelo Superior Tribunal de Justiça(2), que a aplicação da Súmula 308 pode ser relativizada, no sentido de não proteger o adquirente, quando este, mesmo tendo ciência do gravame da hipoteca ou da alienação fiduciária sobre o bem adquirido, realiza o negócio com a construtora. O entendimento partiu do ministro Villas Boas Cueva, que no julgamento do Recurso Especial 1.576.164, consignou que: Independentemente da natureza jurídica do instituto utilizado pelas partes contratantes como garantia do contrato de abertura de crédito para a construção das unidades habitacionais (hipoteca ou alienação fiduciária), referida pactuação não tem eficácia perante o consumidor adquirente do imóvel que não interveio no negócio, não foi comunicado da existência do gravame e demonstrou ter quitado o valor integral do preço ajustado com a construtora. Com base nesse entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a Apelação 1025686-44.2018.8.26.0002(3), já afastou a aplicação da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça, mantendo hígida a alienação fiduciária em favor do agente financeiro, em razão da construtora ter comunicado os adquirentes sobre o tipo de garantia que gravava o bem. Assim, desde que o adquirente não tenha tomado conhecimento da garantia (hipoteca ou alienação fiduciária) prestada ao agente financeiro pela construtora, no momento da celebração do compromisso de compra e venda do bem, os tribunais têm se posicionado no sentido de aplicar a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça e assim tornar ineficaz tanto a alienação fiduciária como a hipoteca, com relação à esse adquirente. (1) Julgamento dos recursos: REsp 1.837.203, publicado no DJe em 22 de novembro de 2019, e REsp 1.576.164, publicado no DJe em 23 de maio de 2019, ambas da relatoria da ministra Nancy Andrighi (2)Julgamento REsp 1.576.164, publicado no DJe em 23 de maio de 2019, da relatoria da ,inistra Nancy Andrighi. (3) Julgamento publicado no DJe em 6 de setembro de 2019, da relatoria do desembargador Caio Marcelo Mendes de Oliveira] *Maurício Barros Regado é sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) e especialista em Processo civil pela PUC-SP. Fonte: ConJur