Este artigo trata do imposto sobre a renda nas operações de permuta imobiliária realizadas por pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro presumido. O artigo analisa a permuta propriamente dita, sob a perspectiva civilista; no âmbito do Direito Constitucional e do Direito Tributário, examina o imposto sobre a renda das pessoas jurídicas; e, por fim, constata o cenário jurisprudencial e legislativo que envolve o tema central, trazendo reflexões acerca da tributação das permutas imobiliárias para fins de lucro presumido, com base em premissas fixadas no decorrer do trabalho.
1. Sobre os contratos de permuta
O contrato de permuta é um negócio jurídico em que as partes se obrigam a dar uma coisa em troca de outra, sem envolver dinheiro, que servirá unicamente como complemento — o qual se denomina torna[1] — e não como a base do contrato.
Um dispositivo do Código Civil sobre permuta (artigo 533[2]), com apenas duas ressalvas[3], dispõe que a tal operação se aplicam as disposições destinadas ao contrato de compra e venda.
O contrato de permuta classifica-se como comutativo em razão da intençãodos agentes de dar e receber prestações equilibradas entre si; eventual diferença de valores entre os objetos permutados não descaracteriza essa qualidade do contrato[4].
Aliás, dentre os elementos que caracterizam o contrato de permuta, a vontade é o mais polêmico numa análise em que pretende averiguar se o contrato é ou não é de permuta. No caso, o elemento vontade serve principalmente para diferenciar a permuta de outras transações de transmissão de propriedade, como a compra e venda e a dação em pagamento.
Por exemplo: quando as partes chamam de contrato de compra e venda o que, na realidade, pretendiam denominar permuta. Ou vice-versa. Logo, deve-se avaliar a verdadeira intenção das partes, porquanto o que está formalizado não necessariamente legitima a situação fática existente[5]. Além disso, deve-se averiguar se a situação fática existente legitima a intenção das partes.
2.1 Diferença entre permuta e compra e venda
Conforme concluo em livro sobre o tema[6], a permuta e a compra e venda não podem ser equiparadas livremente, devendo a regra do artigo 533 do Código Civil ser interpretada e aplicada dentro dos limites criados pelas distinções entre ambas.
Nesse cenário, a regra do artigo 533 do Código Civil, por si só, não autoriza que ambas as operações sejam tributadas a título de IRPJ como se fossem a mesma coisa porque, como visto, permuta e compra e venda, embora semelhantes, são institutos jurídicos diversos.
3. As permutas imobiliárias
Nesse cenário, a regra do artigo 533 do Código Civil, por si só, não autoriza que ambas as operações sejam tributadas a título de IRPJ como se fossem a mesma coisa porque, como visto, permuta e compra e venda, embora semelhantes, são institutos jurídicos diversos.
Essencialmente nos anos 1980, como o mercado imobiliário não dispunha de muitos recursos financeiros para adquirir terrenos necessários ao desenvolvimento de negócios, seus profissionais elegiam com frequência o contrato de permuta imobiliária para adquirir terrenos edificáveis[7]. Nesses contratos, terrenos podem ser trocados por imóveis ou unidades autônomas prontas, ou por unidades a serem construídas no terreno adquirido.
A Lei 4.591/1964, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, aparentemente prevê a operação em questão[8]. Embora não indique a natureza contratual da operação que menciona, o dispositivo da denominada Lei de Condomínio e Incorporações prevê expressamente a permuta de terreno por unidades a serem construídas[9].
Esse dispositivo leva-nos a concluir que o contrato de permuta imobiliária, referente à concessão de terreno ou de fração de terreno por unidades a serem construídas, configura-se como verdadeira permuta ou contrato preliminar de compromisso de permuta.
4. O imposto sobre a renda das pessoas jurídicas e as atividades imobiliárias
O imposto sobre a renda, assim como os impostos em geral, objetiva gravar cada contribuinte de acordo com o incremento de seu potencial econômico em certo período, e não em razão de suas despesas nem com base na sua riqueza disponível em dado momento[10].
Os regimes de tributação por esse imposto aplicáveis às atividades imobiliárias são: o Simples Nacional; o Regime Especial Tributário do Patrimônio de Afetação (RET); o Regime Especial Tributário – Programa Minha Casa, Minha Vida; o lucro real; e o lucro presumido.
O presente artigo exige uma análise do regime de tributação com base no lucro presumido, principalmente aplicado à permuta, enfatizando-se o conceito de receita bruta, uma vez que sua definição é fundamental para resolver o tema central.
4.1. Lucro real x lucro presumido nas atividades imobiliárias
O regime do lucro presumido é fortemente utilizado pelas empresas do ramo imobiliário por ser mais simples e menos oneroso. Além disso, para as empresas que organizam o empreendimento por meio de sociedades de propósito específico (SPE), as receitas auferidas são computadas individualmente para fins de limite de receita do lucro presumido.
Ocorre que as normas para o setor imobiliário são mais corriqueiras para o regime do lucro real. Em contrapartida, no âmbito do lucro presumido há uma ausência de sistematização e de normas condutoras. No regime de tributação pelo lucro presumido a legislação não destina sistemática ao setor imobiliário, ao contrário do regime do lucro real. São poucos os dispositivos legais relacionados à atividade imobiliária.
Em 1988 foi publicada a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 107, que dispõe sobre os procedimentos a serem adotados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas nas permutas de bens imóveis. Entretanto, na época não era permitida a opção pelo lucro presumido por parte das empresas imobiliárias[11], o que somente aconteceu a partir de 1º de janeiro de 1999[12].
4.2. O imposto sobre a renda de pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro presumido e as operações de permuta
O artigo 25 da Lei 9.430/96, alterado pela Lei 12.973, dispõe que o lucro presumido será a soma: a) do valor resultante da aplicação dos percentuais de que trata o artigo 15 da Lei 9.249/95, sobre a receita bruta definida pelo artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/77, replicado no artigo 208 RIR/2018, auferida no período de apuração de que trata o artigo 1º, deduzida das devoluções e vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos; e b) os ganhos de capital, os rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras, as demais receitas, os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas acima, com os respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do artigo 183 da Lei 6.404/76, e demais valores determinados na própria Lei 9.430/96, auferidos no período de apuração.
Com as alterações proporcionadas pela Lei 12.973/2014, qualquer receita intrínseca à atividade ou objeto principal da pessoa jurídica deve compor a receita bruta tributável para fins de lucro presumido. Todavia, continuam fora do âmbito da receita bruta os ingressos que não caracterizam receitas.
O caráter opcional do lucro presumido não admite a tributação de qualquer valor, sob o argumento de que se trata de opção do contribuinte, pois lhe é permitido optar pela tributação pelo lucro real. Nesses parâmetros, a tributação no regime do lucro presumido deve atender os princípios da livre concorrência, do tratamento privilegiado às empresas de pequeno porte, da capacidade contributiva e da igualdade, além de observar as mesmas restrições aplicadas às sistemáticas do lucro real e do lucro arbitrado, tributando apenas aquilo que for renda[13].
A necessidade de acréscimo patrimonial não é abandonada na sistemática do lucro presumido, passando a ser objeto de presunção legal absoluta, equacionada por dois elementos: a receita e o índice de presunção de acréscimo patrimonial disposto em lei[14].
Enquanto no regime do lucro real — conforme dispõe a Instrução Normativa 107/1988 — uma entrada de imóvel a título de permuta pode ser equivalente ao imóvel que lhe corresponde na operação (dado em permuta) a ponto de, sem gerar polêmicas, ser neutralizada pelo seu custo ou despesa, no lucro presumido a empresa que realiza a mesma operação enfrenta um cenário de controvérsias.
5. A tributação das permutas imobiliárias
A tributação das permutas imobiliárias no regime do lucro presumido é razão para diversos questionamentos por parte dos contribuintes.
Em 2014, com o Parecer Normativo 9, a Receita Federal veiculou a orientação de que, para fins de IRPJ, CSLL e contribuição para o PIS e Cofins, o valor do imóvel recebido em permuta constitui receita bruta (base de cálculo no regime de apuração pelo lucro presumido) assim como o montante recebido a título de torna. Nesses parâmetros, o Fisco exige indistintamente — de empresas incorporadoras ou não — o recolhimento de tributos sobre essa operação.
Para tanto, o Parecer Normativo Cosit 9 consigna que as regras da IN SRF 107/1988 não são aplicáveis ao lucro presumido, sob os seguintes fundamentos:
i) a permuta deve ser equiparada a? compra e venda;
ii) a base de cálculo no regime de apuração pelo lucro presumido e? determinada por meio do percentual aplicado sobre a receita bruta — que compreende o produto da venda nas operações de conta própria — de modo que o valor do imóvel que a pessoa jurídica que explora atividades imobiliárias recebe em permuta compõe sua receita bruta.
O Parecer Normativo Cosit 9 definiu ainda que no lucro real não ha? resultado a tributar porque o valor contábil do imóvel que entra e? igual ao valor do imóvel que sai (receita menos custo), mas no lucro presumido, o custo do imóvel entregue na permuta não ira? afetar a base de cálculo.
Todavia, existem fortes razões que levam os contribuintes do mercado imobiliário a questionar o posicionamento da Receita Federal. Uma delas consiste no fato de que, muito embora o Fisco insista, na forma do Parecer Normativo 9, em tributar os contratos de permuta da mesma forma que os contratos de compra e venda (estes, sim, tributáveis), equiparando-os, trata-se, na verdade, de operações que se distinguem sobremaneira, de modo que, ao contrário da segunda, na primeira inexiste receita.
Aliás, desde 2016, a Justiça Federal de Santa Catarina e o TRF-4[15] vêm acatando esse argumento, e, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, na sua primeira decisão de mérito sobre o tema[16], seguiu a mesma linha de raciocínio, afastando a tributação sobre o terreno recebido em permuta por empresa do ramo de construção civil optante pelo regime do lucro presumido.
O voto condutor consignou que “o contrato de troca ou permuta não devera? ser equiparado na esfera tributária ao contrato de compra e venda, pois não haverá?, na maioria das vezes, auferimento de receita, faturamento ou lucro na troca”.
Além dessa tese, há outro fundamento ainda não debatido na jurisprudência, a ser considerado em prol do contribuinte, desenvolvido por mim em livro sobre o tema[17]. A tese considera a relevância da natureza do negócio jurídico (permuta) e do elemento volitivo para fins de definição do negócio jurídico. Além disso, a tese debate o conceito de receita bruta e de receita propriamente. Nessa hipótese, há de se considerar que na operação de permuta as incorporadoras tão somente adquirem um terreno para construir algo nele, sem demandar pagamento em dinheiro. O incorporador realiza esse pagamento pela entrega de unidades a serem construídas sob sua responsabilidade, sem pretender nem implicar obtenção de receita.
Tais premissas levam a? conclusão de que, por ausência de fato gerador tributário, não incide tributação sob a perspectiva das incorporadoras na citada operação.
6. Considerações finais
A discussão é extensa devido à ausência de legislação específica sobre o tema. Tal cenário prevalece tanto sobre a permuta em si, como sobre a permuta imobiliária e suas modalidades. Oportuno lembrar que não há sequer um conceito de permuta definido em lei. Logo, há que se cogitar a possibilidade de regramento dessas operações para que se proporcione, especialmente aos contribuintes do ramo imobiliário, um ambiente de maior segurança jurídica. No entanto, por ora, o combate a esse obstáculo está restrito à esfera do Poder Judiciário.
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[1] Parte-se aqui da ideia de que a torna não desnatura a permuta, a não ser que seja a essência de um contrato. Ou seja, o valor do bem imóvel deve ser necessariamente maior do que o valor do complemento em dinheiro para que se considere ocorrida uma verdadeira permuta. Logo, deve-se analisar individualmente o caso concreto, averiguando-se o que prepondera na operação realizada entre as partes: se o bem imóvel ou se o valor em dinheiro. Entende-se que essa é a forma de apreciação que mais preserva a segurança jurídica.
[2] Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:
I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;
II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.
[3] Uma delas relativa ao rateio das despesas do contrato, e outra no que tange à proibição de contratos entre ascendente e descendente com valores desiguais.
[4] ALVIM, Agostinho. Da Compra e Venda e da Troca. Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 273.
[5] Aqui não importa o nome que as partes deram ao negócio jurídico, mas os termos em que ele foi feito.
[6] BITTENCOURT, Gabriela. O IRPJ nas permutas imobiliárias realizadas por pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro presumido, 1 ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 57.
[7] BICALHO, Rodrigo Cury. Permuta imobiliária e fraude de execução. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 105, n. 963, jan. 2016, p. 382.
[8] “Do texto não se extrai, com precisão, a natureza jurídica do contrato assim celebrado, o que é lamentável, tendo em vista que ele se torna cada vez mais frequente, pelas inegáveis vantagens de que se reveste” (SOUZA, Sylvio Capanema de. Das várias espécies de contrato. Da troca ou permuta. Do contrato estimatório. Da doação. Da locação de coisas: artigos 533 a 578. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.8, p. 15).
[9] BICALHO, Rodrigo Cury. Permuta imobiliária e fraude de execução. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 105, n. 963, jan. 2016, p. 383.
[10] CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos). 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 120.
[11] Artigo 1º, parágrafo 4º da Lei 6.468/77; artigo 5º, inciso IV da Lei 8.541/92; e artigo 36, inciso IV, da Lei 8.981/95.
[12] Artigos 14 e 17, inciso II da Lei 9.718.
[13] MARTINS, Ricardo Lacaz. Tributação da renda imobiliária. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 194.
[14] NETO, Luiz Flávio. Consequências tributárias de permutas de bens imóveis realizados por empresas optantes pela sistemática do “lucro presumido”. In: FARIA, Renato Vilela; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Op. cit., p. 710 e 711.
[15] Processos 5001168-38.2017.4.04.7200, 5030057-36.2016.4.04.7200, 5000702-44.2017.4.04.7200, 5028437-57.2014.4.04.7200, 5000703-29.2017.4.04.7200, 5016447-20.2015.404.7205, 5000704-14.2017.4.04.7200, 5010221-77.2016.404.7200, 5020066-89.2014.4.04.7205, 5001548-17.2015.404.7205, 5007727-55.2010.404.7200 e 5013656-78.2015.4.04.7205.
Imagina-se que a discussão esteja fortemente disseminada e consolidada no TRF-4 em razão da celeridade, eficiência e qualidade dos julgamentos de tal corte de que se tem conhecimento.
[16] Recurso Especial 1.733.560 - SC (2018/0076511-6), DJe: 21/11/2018.
[17] BITTENCOURT, Gabriela. O IRPJ nas permutas imobiliárias realizadas por pessoas jurídicas optantes pelo regime do lucro presumido, 1 ed. São Paulo: Noeses, 2019.
Fonte: ConJur