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A prescrição no atual Código Civil, e a reforma do Código de Processo Civil

A segurança da ordem jurídica e a pacificação social, são os fundamentos maiores da prescrição. O decurso do tempo tem influência na aquisição (prescrição aquisitiva - usucapião) , e na extinção de direitos (prescrição extintiva). O Código Civil de 1916, elaborado pelo gênio do Direito Civil, CLÓVIS BEVILÁQUA, tratava no artigo 161 a 179, somente da "prescrição extintiva", não tratando do instituto da "decadência". O artigo 177 estabelecia prazos gerais, discriminados: para as ações pessoais, 20 (vinte) anos, as reais 10 (dez) anos, entre presentes , e entre ausentes em 15 (quinze) anos. Já o artigo 178, cuidava dos prazos especiais da prescrição. Difícil era identificar os prazos decadenciais e prescricionais, que se encontravam emaranhados no mesmo artigo 178 do Código Civil. O atual Código Civil Brasileiro, seguindo o modelo do Código Civil de 1916, regulamentou a prescrição extintiva na Parte Geral. Na Parte Especial, no Livro do Direito das Coisas, na parte referente aos modos de aquisição do domínio, tratou da prescrição aquisitiva. Porém, ao contrário do CC-16, optou por um critério simplificado: 10 (dez) anos para o prazo prescricional geral, tanto para as ações pessoais como para as reais, artigo 205. Os prazos especiais, mais exíguos, para possibilitar o exercício de certos direitos subjetivos, em situações especiais, artigo 206, parágrafo 1 a 5, do CC. Portanto, quando não houver previsão de prazo especial, tem-se o prazo prescricional de 10 (dez) anos. Importante: a pretensão de reparação civil que era de 20 (vinte) anos, aplicando a regra geral do CC-16, pela ausência de norma específica, foi substancialmente modificada. O CC-2002, alterou a sistemática da matéria de Responsabilidade Civil, estabelecendo o prazo especial de 03 (três) anos, artigo 206, parágrafo 3, inciso IV, para a "a pretensão da reparação civil". Destarte, deve-se entender que estão canceladas as Súmulas 39 e 143, do STJ. Ao adotar o princípio da operabilidade (concretude), o legislador do CC-2002, tratou da Prescrição e da Decadência em um único Título, IV, artigos 189 a 211. Porém, no Capítulo I, (artigo 189 a 206), tratou da prescrição separadamente, e no Capítulo II, (artigo 207 a 211), da decadência. A exemplo dos Códigos mais modernos como o italiano e o português, o atual CC define o que é prescrição (artigo 189) e institui uma disciplina específica para a decadência. Se a prescrição é a perda da pretensão (força de reagir contra a violação do direito subjetivo), não se pode, realmente, cogitar de prescrição dos direitos potestativos. Portanto, para distinguir prescrição de decadência, o CC-2002, de forma "taxativa" trata nos artigos 205 (regra geral) e 206 (regras especiais) dos prazos prescricionais. Todos os demais prazos estabelecidos, seja na Parte Geral, como na Especial são prazos "decadenciais". Outras modificações ocorreram no tocante a prescrição . Em virtude do princípio da inércia da atividade jurisdicional, a redação original do CC-16, artigo 166 estabelecia que ao juiz era vedado reconhecer a prescrição de direitos patrimoniais, se não foi invocada pelas partes. O artigo 194 do CC-2002, autoriza ao juiz "suprir, de ofício, a alegação de prescrição, se favorecer a absolutamente incapaz". Porém, esse artigo, foi revogado pela Lei 11.280/2006, que deu nova redação ao artigo 219, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil. A alteração é substancial. Em prol da celeridade processual, o texto do parágrafo 5º, do artigo 219 do CPC, permite ao juiz reconhecer da prescrição de ofício, independentemente da natureza dos direitos em litígio e da capacidade das partes. A matéria ficou consolidada somente na Lei Processual, não havendo mais menção a ela no CC. Discussões surgem na doutrina. Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery e Maria Helena Diniz, afirmam que o reconhecimento da prescrição de ofício constitui matéria de ordem pública. Flávio Tartuce: "Sendo a norma autorizadora do reconhecimento "ex officio"da prescrição incoerente com o sistema jurídico brasileiro, deve ela ser considerada inconstitucional". Humberto Theodoro Júnior: "Sem embargo da reforma simplista do parágrafo 5, do artigo 219 do CPC, o juiz não terá como decretar "ex officio"a prescrição de direitos patrimoniais, senão quando no direito material houver semelhante previsão. A revogação do artigo 194 do CC, dentro de uma lei de reforma do CPC, não quebra o conceito e a natureza do instituto da prescrição, figura típica do direito material, reconhecida, como tal, pelo própria lei processual, artigo 269, inciso IV. Melhor seria revogar, "de lege ferenda" a infeliz inovação, mas, enquanto isto não se der, o dever do intérprete e aplicador da lei inovadora será o de buscar minimizar as impropriedades contidas em sua literalidade, e reduzir sua aplicação apenas às hipóteses compatíveis com a natureza, finalidade e sistema da prescrição, dentro do direito material". "Prima facie" entendo, difícil a decretação da prescrição de ofício pelo juiz, liminarmente, sem o contraditório entre os litigantes. Isto, porque, ao contrário da decadência, que é fatal e se atinge inexoravelmente pelo decurso do prazo da lei, a prescrição sujeita-se a fatores que interferem em seu fluxo temporal, impedindo-o, suspendendo-o ou interrompendo-o com muita freqüência ( artigos 197 a 204, do CC). Porém, em prol da rápida entrega da prestação jurisdicional, obedecendo a devida garantia do processo legal, respeitando tanto os direitos do credor, como do devedor, a aplicabilidade do artigo 219, parágrafo 5º, do CPC, faz-se imperiosa. Nos casos de prescrição em favor de absolutamente incapazes, (artigo 3º, do CC), e ainda, nas hipóteses da falta de diligência do autor, por não promover os atos que lhe competir, não movimentando o processo. Importante também registrar, que tanto os prazos prescricionais, como os decadenciais, fluem contra os relativamente incapazes (artigo 4º, do CC), pela redação do artigo 195 do CC. E, esse artigo não se aplica aos filhos durante o poder familiar, pois nos termos do artigo 197, inciso II, do CC, "não corre a prescrição, entre ascendentes e descendentes durante o pode familiar". A título de exemplo: numa execução de pensão alimentícia, manejada pelo filho maior de 16 anos (relativamente incapaz), em desfavor de seu genitor, o prazo prescricional do artigo 206, parágrafo 2º, só passará a fluir, quando o exeqüente-alimentado completar 18 anos, quando se extingue o poder familiar, pela redação do artigo 1.635, inciso II e III, do CC. Finalizando, grande novidade do CC-2002, que traz alguns problemas práticos: "a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez", artigo 202. No sistema do Código anterior, não havia limites para o recurso à interrupção da prescrição. Inspirado no fundamento do instituto da prescrição, que é evitar a perpetuidade da incerteza e insegurança nas relações jurídicas, o atual CC, restringe a uma só vez a possibilidade de ocorrer a interrupção da prescrição . No rol das hipóteses de interrupção da prescrição, "o protesto cambiário" (realizado perante o cartório extrajudicial de protestos de títulos), interrompe a prescrição, artigo 202, inciso III. Enfim, a mudança é expressiva, substancial. O intérprete e aplicador da Legislação inovadora certamente encontrará a forma adequada, para aplicabilidade da mesma no ordenamento jurídico, através dos entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais. O interesse público, a estabilização do direito e o castigo á negligência, comungam com o espírito do novo Direito Civil e Processual. Desburocratizar o procedimento, acelerar o resultado da prestação jurisdicional, e o emprego de técnicas e aceleração da prestação jurisdicional, estão no rol dos direitos fundamentais, da Constituição Federal, artigo 5, inciso LXXVIII. Caminha-se pois para novas vertentes (processos e procedimentos), em que o objetivo maior é a solução justa e adequada, valorização das partes e redução das tensões sociais. Maria Luiza Póvoa Cruz é juíza da 2ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia e presidente do IBDFAM-GO Fontes - Direito Civil, Flávio Tartuce, vol. I Ed. Método Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, Ed. Forense. Fonte: IBDFAM