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Artigo - Cobrança de crédito com alienação fiduciária de bem imóvel – Por Lutero de Paiva Pereira

De todas as formas de garantia, a alienação fiduciária de bem imóvel é a que mais protege o direito do credor de receber seus haveres. Não há garantia maior nem mais segura para o credor transacionar com seus capitais. Como se sabe, pela alienação fiduciária o devedor fiduciante transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel e a posse indireta de um bem imóvel, que passa a garantir com exclusividade o pagamento do débito. Esta exclusividade de o bem alienado fiduciariamente responder ao credor pelo pagamento do débito é tão absoluta, intocável e inalcançável por outros débitos do fiduciante que a lei nem precisou protegê-lo com cláusula de impenhorabilidade ou outros atos processuais, como o fez em favor de bens empenhados ou hipotecados, notadamente no caso do DL 167/67.

Como a alienação fiduciária transfere a propriedade resolúvel do bem, este só pode ser fiduciariamente alienado a um único credor, coisa diversa da garantia pignoratícia ou hipotecária onde diversos gravames podem incidir sobre a mesma coisa ao mesmo tempo.

Como a transferência da propriedade fiduciária é feita ao credor ao tempo de firmação do contrato, o devedor tem a opção de reaver a propriedade da coisa somente depois de quitar o débito garantido, conforme sobressai do art. 25 da Lei 9.514/97.

Se o devedor não quitar o débito, a propriedade fiduciária se consolidada no nome do credor, nos termos do previsto no art. 26 da Lei 9.514/87.

Como a Lei não fala que o credor adquire a propriedade com o inadimplemento do débito, mas que somente a consolida, o pressuposto é que anteriormente a propriedade lhe foi transferida, pois somente se pode consolidar, ou seja, tornar sólido e imodificável, o ato já efetivado.

Isto faz com que a alienação fiduciária se torne um gravame sui generis que em tudo protege, e de forma absoluta, o direito e o interesse do credor fiduciário.

Assim, tão logo o inadimplemento da obrigação garantida se verifica, por força de preceito legal especial, o credor pode iniciar o processo de consolidação da propriedade em seu nome, coisa que acontece de forma rápida e simples, até mesmo sem a intervenção do Poder Judiciário.

A despeito do benefício que a alienação fiduciária consagra ao credor fiduciário para o recebimento do seu crédito, uma questão que tem trazido inquietação atualmente é que muitos deles vêm cobrando seus haveres pelo procedimento executório disciplinado pelo CPC, ao invés de fazê-lo pelo procedimento ostensivamente ditado pela Lei 9.514/97, enquanto mantêm no Registro de Imóveis o registro da propriedade resolúvel em seu favor.

Noutras palavras, o credor fiduciário mantém a propriedade resolúvel em seu nome e somente não a consolida para se dar ao luxo de adotar outro procedimento de coação de pagamento contra o devedor, a saber, a execução judicial.

Ao se valerem do procedimento executivo para cobrança de seus créditos previsto no Código de Processo Civil, os exequentes se põem à efetivação da penhora de todos ou de outros bens do devedor, estrangulando sua vida negocial pela oneração processual.

E o pior, antes mesmo da efetivação da penhora o exequente se vale da certidão da execução para averbar no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade (art. 828/CPC), a existência da cobrança.

Com efeito, de um lado a cobrança do crédito pela via da execução forçada (CPC) é muito mais onerosa para o devedor do que a cobrança pela via da consolidação da propriedade (Lei 9.514/97), quer pela incidência de custas processuais, honorários advocatícios, etc., quer pelos entraves que promove na obtenção de novos créditos, realização de negócios, etc., e muito mais lenta para o credor realizar seu crédito.

De outra parte, a cobrança do crédito nos termos da Lei 9.514/97, além de ser bem menos onerosa para o devedor, é bem mais rápida e favorável ao credor do que a prevista no CPC, inclusive quanto ao tempo de sua duração, pois naquela o tempo máximo não chega a 120 dias, enquanto nesta o tempo mínimo supera, em muito, 1000 dias.

É certo que o art. 797 do CPC apregoa que a execução se realiza “no interesse do credor”, mas interesse aqui não deve ser lido como arbítrio ou capricho que lhe outorgue a escolha do procedimento que tenha condições de piorar ainda mais vida do outro, mesmo que não represente, na prática, uma cobrança mais ágil do seu crédito.

Por mais incrível que a alguns possa parecer, nos termos do art. 805 do mesmo Codex, assiste proteção estendida ao devedor no sentido de ser demandado de “modo menos gravoso”.

Tal proteção dada ao devedor é tão real que o dispositivo processual, em redação cogente, diz que “ o juiz mandará” que a execução se processe pelo modo menos penoso.

Com efeito, são os artigos 26 e seguintes da Lei 9.154/97 que disciplinam o procedimento que o credor fidicuário deverá adotar para o recebimento do seu crédito impago, de modo que a este ritmo deve se submeter o contrato.

Sustentar de modo diferente é aplicar o CPC como um instrumento de verdadeiro “garrote” no devedor, retirando-lhe o “oxigênio” patrimonial para obrigá-lo a render-se sem defesa ao despotismo do credor.

Com efeito, quando contratou a alienação fiduciária de bem imóvel em garantia do seu crédito, o credor sabia que deveria submeter seu contrato a todos os termos da Lei 9.154/97 e não somente à parte que mais lhe interessasse, de modo que não pode alegar desconhecer o trâmite em questão.

Como o parágrafo único do art. 805 do CPC diz que “ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos”, tendo por base a Lei 9.154/97 cabe-lhe indicar o procedimento da consolidação da propriedade em nome do credor para solução do débito inadimplido, diga-se de passagem, procedimento bem mais eficaz que a própria execução, ao mesmo tempo que menos oneroso.

Ademais, não parece justo que ao credor seja deferido o direito de manter a propriedade resolúvel em seu nome, enquanto caça outros bens do devedor para também chamar de seu.

Finalmente, quando o Código Civil dispõe no seu art. 1.368-B que a alienação fiduciária “confere direito real de aquisição ao fiduciante”, é porque já reconhece que o bem, ao ser alienado, foi adquirido pelo credor para satisfação do seu crédito.

Portanto, se é assim que ocorre com a alienação fiduciária, ou seja, o credor adquire a propriedade ao tempo de firmação do contrato e o devedor a readquire com a quitação do débito, o inadimplemento contratual somente confere ao credor o direito de consolidar em seu nome a coisa que é sua.

Outrossim, não se pode falar em execução do contrato, mesmo porque, até que fique provado que o bem alienado fiduciariamente não foi suficiente para quitação do débito, coisa que só se comprova depois da consolidação e venda pública do imóvel, a quitação do débito já se deu com a própria transmissão da propriedade ao tempo de constituição da garantia.

O Poder Judiciário deve conter tal ímpeto escravizador do credor para não ocorrer de o instituto da alienação fiduciária de bem imóvel se desvirtuar do seu objetivo central e se transformar num simples mecanismo de espoliação do outro.

Lutero de Paiva Pereira – Advogado especializado em direito do agronegócio em Maringá (PR).

Fonte: Direito Rural