A redefinição constitucional do conceito de família e a ampliação dos laços afetivos entre os seres humanos se reflete em vários ramos do Direito, sendo a cada dia mais comum a preocupação dos indivíduos com seus entes queridos, o futuro financeiro e uma sobrevivência digna.
Nesse viés, ainda que a maioria não goste de refletir a respeito da extinção da personalidade, o fato concreto é que a morte é o destino certo de todos, e o planejamento sucessório, uma necessidade dos tempos modernos.
Assim, cada indivíduo pode verificar sua situação pessoal e planejar sua sucessão, sendo importante considerar: a) se tem ou não patrimônio; b) a existência ou não de herdeiros necessários; c) concordância ou não quanto à forma de partilha prevista em lei; d) o regime de bens caso seja casado ou viva em união estável; e) vontade de beneficiar pessoa determinada que seja ou não do círculo familiar; e f) motivo justificado para deserdar um herdeiro.
Sobre pessoas que morrem e não possuem bens, em caso de eventual benefício previdenciário ou seguro, cabe ao segurado regularizar em vida a situação jurídica do companheiro ou filho, biológico, adotivo ou socioafetivo, no intuito de facilitar a obtenção de pensão por morte ou prêmio.
Em relação às pessoas que têm patrimônio, o primeiro passo é identificar a existência de herdeiros. De acordo com a lei civil, são herdeiros necessários: descendentes, ascendentes e o cônjuge ou companheiro. São herdeiros facultativos os colaterais até o quarto grau (na sequência e por exclusão: 2º grau: irmãos; 3º grau: tios ou sobrinhos; 4º grau: tios-avós, os primos-irmãos e os sobrinhos-netos).
Havendo herdeiros necessários, o autor ou dono da herança deve verificar se está de acordo com a divisão patrimonial que a lei estabelece. Isto porque a lei civil dispõe as regras gerais de como deve ser feita a divisão do patrimônio e, caso a pessoa não concorde com essa partilha, é possível elaborar um testamento para modificar a destinação de parte dos bens.
Sendo o autor da herança solteiro, seus herdeiros necessários são os descendentes e ascendentes.
Assim, seu patrimônio será destinado integralmente aos filhos e, na ausência deles, aos genitores. Caso não queira que a integralidade dos bens seja transferida aos herdeiros, poderá dispor de metade por meio de testamento. Assim, na hipótese, por exemplo, de patrimônio avaliado em R$ 600 mil: R$ 300 mil poderão ser livremente destinados a alguém da preferência do testador, que corresponde à parte disponível, e a outra metade, indisponível, chamada de legítima, necessariamente será partilhada entre os descendentes ou ascendentes, conforme o caso.
Não havendo herdeiros necessários, o dono da herança pode dispor de seus bens como lhe convier por testamento. Assim, pode partilhar entre pessoas que tem apreço, como amigos, funcionários ou familiares distantes, entidades de assistência social etc. Caso não o faça, o patrimônio é destinado aos herdeiros facultativos (colaterais até o 4º grau) e, na sua ausência, ao município.
Sendo o autor da herança casado ou vivendo uma união estável, o passo seguinte para saber como será a partilha sucessória é identificar o regime de bens.
Em regra, o regime de bens dos casamentos formalizados antes de 1977 era o da comunhão universal de bens. Isso significa que a esposa(o) ou companheira(o) não é herdeira(o) do parceiro, só meeira(o).
Nesse caso, do patrimônio total do casal, 50% é de um e 50% pertence ao outro, sendo que os filhos são os herdeiros de cada um e, portanto, dividem igualmente os 50% do genitor que falecer. Na hipótese, por exemplo, do total avaliado em R$ 600 mil: R$ 300 mil são de cada cônjuge meeiro, sendo que, quando um deles falecer, a herança dos filhos será obtida da divisão dos R$ 300 mil.
Caso um dos genitores faça um testamento público, pode dispor da metade de seu próprio patrimônio. Essa parte é identificada como disponível, e o testador pode destiná-la, a princípio, para quem quiser, sem qualquer justificativa. No exemplo dado, sendo o patrimônio individual R$ 300 mil, poderia dispor livremente de R$ 150 mil, sendo os R$ 150 mil restantes, a legítima, obrigatoriamente destinados aos herdeiros necessários.
Assim, se, por exemplo, o marido deixar a parte disponível dele para a esposa, ela ficaria com 75% do total do patrimônio que o casal detém (no caso, R$ 450 mil), e os filhos dividiriam os 25% restantes (R$ 150 mil).
Tal partilha pode ser a mais justa nos casos em que o patrimônio foi construído com a contribuição igualitária do casal, lembrando que o cônjuge sobrevivente também pode testar e destinar até metade da sua parte disponível para quem entender ser merecedor.
Na hipótese da comunhão total de bens em que não haja filhos, são herdeiros os ascendentes em concorrência com o cônjuge ou companheiro. E na ausência de descendentes e ascendentes, o parceiro herda integralmente. Em qualquer das hipóteses, é possível dispor livremente por testamento de metade do patrimônio, lembrando que é proibido favorecer quem escreveu, lavrou ou foi testemunha do testamento e ao concubino(a) do testador, sendo nulo ainda que haja simulação do negócio.
Após 1977, o regime legal do casamento passou a ser o da comunhão parcial de bens. Significa que a esposa(o) ou companheira(o), além de meeira(o), será herdeira(o) se o autor da herança deixar bens particulares, ou seja, se o falecido tiver patrimônio privado, que não integra o construído pelo casal. Nesse caso, terá direitos sucessórios quanto aos bens particulares. Não existindo bem privado, só haverá direito à meação.
No regime da separação legal ou obrigatória de bens, o STF reconhece o direito à meação (Súmula 377). Assim, no caso de cônjuge maior de 70 anos, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento (um apartamento, por exemplo), razão pela qual o parceiro sobrevivente será meeiro desses bens, mas não terá direito à herança (só terá direito à metade do apartamento adquirido após o casamento). Entendendo que tal partilha é injusta, o testador pode destinar até metade do seu patrimônio particular (parte disponível) ao parceiro sobrevivente.
Em se tratando da separação convencional, absoluta ou total de bens, em que os cônjuges voluntariamente aderem a um regime em que cada um permanece com seu patrimônio particular e, portanto, não há meação, incongruentemente o artigo 1.829 do CC permite que o cônjuge sobrevivente herde em concorrência com os descendentes. O STJ (REsp 1.382.170-SP e AgRg no AREsp 187.515) reconheceu esse direito sucessório, razão pela qual a pessoa que achar injusto e quiser proteger a herança dos filhos, por discordar de que o cônjuge concorra com os descendentes em relação à integralidade do seu patrimônio, deve fazer um testamento, destinando a parte disponível (até 50% do total) aos filhos ou a quem preferir. De todo modo, o cônjuge sobrevivente dividirá com os descendentes a parte legítima.
Importante notar que, não havendo descendentes ou ascendentes, o cônjuge ou companheiro necessariamente herdará todo o patrimônio, independente do regime de bens. Não sendo esse o interesse do autor da herança, o mesmo deve fazer um testamento público no intuito de dispor de até a metade da forma que desejar.
Como já dito, não havendo herdeiros necessários, inclusive cônjuge ou companheiro, a pessoa deve testar como lhe convier, sob pena de não o fazendo o patrimônio ser destinado aos herdeiros facultativos (colaterais até o 4º grau) ou ao município.
Por outro lado, na hipótese de o autor da herança concordar com a partilha, mas desejar destinar bem específico a alguém, também poderá fazer isso por meio do testamento, indicando um legado, que pode ser bem móvel e ou imóvel (jóias, carro ou apartamento ao melhor amigo ou empregado fiel, por exemplo).
E é por meio de testamento público que um herdeiro necessário pode ser deserdado. Nos tempos atuais, em que assombrosas notícias de crimes praticados entre membros da própria família são frequentes, é o instrumento legal que permite que o testador declare expressamente a causa e exclua o herdeiro da sucessão. É possível nas hipóteses de crime doloso contra a vida, tentado ou consumado, contra o autor da herança, seu parceiro, ascendente ou descendente; crime contra a honra; ofensa física; desamparo material em caso de doença, entre outros. Caso não seja feito o testamento, posteriormente só será possível a exclusão por indignidade e judicialmente.
Importante registrar que o testamento é um instrumento revogável, podendo ser alterado a qualquer tempo, bem como se rompe na hipótese de surgimento de um herdeiro necessário.
Por fim, é possível a elaboração de testamento particular, entretanto, para garantir que as disposições de última vontade sejam válidas e prevaleçam, bem como ser corretamente orientado quanto às inúmeras possibilidades jurídicas existentes, o mais seguro é o testador procurar um tabelionato de notas e solicitar a lavratura de um testamento público.
Fonte: ConJur