Toda iniciativa que auxilie na resolução de entraves na regularização de terras é importante para garantir justiça social. O resultado positivo do projeto-piloto realizado no município de Tangará da Serra (MT), que permitiu a 50 famílias de proprietários rurais o registro de posse de suas terras, mostra que descomplicar a medição das áreas e os trâmites legais é um caminho viável.
O trabalho foi executado por meio da parceria entre o Grupo de Governança de Terras do Instituto de Economia da Unicamp, os Cartórios de Registro de Imóveis de Tangará da Serra (MT) e a Agência de Cadastro, Registro Predial e Cartografia dos Países Baixos (Kadaster). A metodologia empregada foi desenvolvida pela agência holandesa e batizada de Projeto “Fit for Purpose”.
O trabalho resultou em um modelo de regularização baseado nas regras da Lei nº 13.465/17 e com vantagens, como o menor custo e maior agilidade na tramitação dos registros.
Permitir que a regularização seja feita usando diferentes camadas de precisão na medição de terras no país é um assunto que deve estar na pauta de órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O exemplo de Tangará da Serra mostra que novos caminhos devem ser trilhados na área de governança de terras no Brasil. Para conseguir fazer a medição, com o máximo de precisão de todas as áreas no país, seria necessário gastar pelo menos o equivalente a três Produtos Internos Brutos (PIBs) brasileiros.
A forma mais precisa de medição tem a certificação de um agrimensor. Se for permitida, a coleta de informações por terceiros, cujo trabalho tenha regras e padrões definidos, será muito melhor do que manter o vazio atual na regularização fundiária.
Com a criação do Sinter (Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais) pela Receita Federal, que será uma espécie de CPF de imóveis urbanos e rurais, poderiam ser estabelecidos níveis diferentes de precisão de medição das áreas. A primeira camada seria a A, que teria o grau mais elevado de precisão e a certificação de um agrimensor.
O sistema teria outras camadas como B, C e D, cuja medição viria de outras fontes que seguiriam padrões e regras definidas pelos órgãos oficiais. Todas as informações seriam somadas e estariam no banco de dados nacional. A meta seria, gradativamente, que todas as áreas atingissem a camada A.
O assunto foi debatido durante o IV Seminário Internacional de Governança de Terras e Desenvolvimento Econômico: Regularização Simplificada, realizado em junho na Unicamp. Há um consenso de que é necessário estabelecer ações que permitam avançar no georreferenciamento de áreas no país.
A experiência de Tangará da Serra prova que é possível regularizar áreas usando um equipamento menos preciso e menos sofisticado do que um drone. No projeto, foram utilizados tablets e equipamentos de navegação via satélite (Receptor GNSS), cuja diferença na medição foi pequena e não afetou o resultado final do processo de regularização.
A iniciativa trouxe ganho de escala, barateamento dos custos, agilidade nos trâmites e a participação da comunidade. Garantir que os interessados participem ativamente é fundamental para o sucesso da governança de terras. O cidadão tem que se apropriar dos seus direitos. O Estatuto das Cidades nasceu para ampliar a participação dos brasileiros nas decisões sobre o uso e a ocupação das áreas do país. A legislação é maravilhosa, mas nunca foi implementada em sua plenitude.
Buscar formas de resolver a problemática da governança de terras no Brasil passa também por saber exatamente quais são as áreas governamentais e realizar a regularização delas, conforme determina a Lei nº 13.465/17. O caminho é longo para atingirmos a meta de termos um sistema de governança de terras eficaz no Brasil. Mas temos que avançar em ações que, realmente, tragam benefícios para a regularização fundiária no país.
* Bastiaan Philip Reydon é professor titular e coordenador do Grupo de Governança de Terras (GGT) do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Fonte: Estadão