(A matéria relacionada com a capacidade e a personalidade civil da pessoa natural é de grande importância para o mundo jurídico, em razão dos reflexos que esses dois atributos exercem na vida social e, por conseqüência, na estrutura da sociedade, uma vez que os atos da pessoa tem conseqüências nas mais diferentes esferas, quer sociais, jurídicas ou econômicas. É justamente pela conotação social que a capacidade civil da pessoa natural tem na estrutura da sociedade moderna, que merece lugar de destaque para os estudiosos e profissionais do direito. O Código Civil trouxe profundas e significativas mudanças nas formas de abordagem, cessação e na explanação dos atos que são possíveis de serem praticados em cada um dos estágios da capacidade. Abordaremos no presente estudo, as principais diferenças entre a personalidade e a capacidade civil da pessoa natural, as espécies de capacidade civil, suas modificações, e, a relação de tais atos com a Lei dos Registros Públicos. 1 OS ATOS REGISTRAIS DA CAPACIDADE CIVIL 1.1 Paralelo entre Personalidade e Capacidade Civil A capacidade civil e a personalidade civil da pessoa natural são atributos que não se confundem. A personalidade civil é a qualidade do ente que se considera pessoa. A pessoa natural a possui desde o início até o fim de sua existência. A capacidade, ao contrário, pode sofrer modificações profundas e em alguns casos, inclusive, deixar de existir. Essas modificações, entretanto, não afetam a personalidade que continua a mesma. A capacidade civil é um dos atributos da personalidade e que está estreitamente ligada à noção de estado, mas que não se confunde com este. O estado compreende um conjunto de fatos ligados à pessoa, em virtude dos quais, a mesma pessoa se enquadra ou deixa de se enquadrar nas diversas esferas dentro das quais se desenvolvem as relações jurídicas. Esse enquadramento determina a maior ou menor capacidade, ou seja, a maior ou menor possibilidade, em abstrato, de exercer os diversos direitos. Como exemplo, podemos citar o estado da pessoa natural em alienação mental, a qual determina a sua incapacidade de firmar, por si, um contrato de compra e venda. Dessa forma, podemos concluir que entre o estado e a capacidade há uma relação de causa e efeito. É importante observar, que para todo e qualquer ato da vida civil exige-se o elemento "agente capaz". Conseqüentemente, a capacidade civil está estreitamente ligada com toda a matéria pertinente aos negócios jurídicos. A personalidade civil, segundo dispõe o artigo 2º , do Código Civil Brasileiro, "começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". O artigo 1o, do mesmo diploma legal, por sua vez, estabelece que "toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil". Do explicitado pode-se concluir que a capacidade, pelo menos de fato, preexiste à personalidade, uma vez que a lei põe a salvo os direitos do nascituro, ou seja, os direitos daquele que ainda não nasceu e, em conseqüência, ainda não tem personalidade, uma vez que essa só terá início com o nascimento com vida. Sob este ângulo, a capacidade de direito do nascituro depende de uma condição resolutiva, qual seja, o nascimento com vida. Ocorrendo morte fetal, os direitos garantidos por lei ao nascituro deixam de existir, uma vez que não ocorreu o nascimento com vida, circunstância considerada como condição para que tais direitos tivessem eficácia plena no mundo jurídico. Dessa forma, conclui-se que somente é capaz de fato e de direito a pessoa natural que adquiriu sua personalidade em razão do nascimento com vida. A personalidade, por sua vez, inicia no primeiro momento da vida, com a primeira respiração do recém-nascido, ocasião em que este torna-se capaz de fato para adquirir direitos e assumir obrigações, porém, não de direito, uma vez que não poderá fazê-lo por si só, necessitando de representante que supra sua incapacidade, que no caso é absoluta. A incapacidade, portanto, via de regra, vai diminuindo ao longo dos vários estágios da vida humana, até deixar de existir por completo. Em contrapartida, a personalidade jurídica da pessoa natural não se modifica, extinguindo-se, tão somente, com a morte. 1.2 Conceito de Capacidade Civil Conforme já foi exposto, a capacidade é um dos atributos da personalidade, que apesar de ser anterior a esta, depende de seu início para que surta efeitos no mundo jurídico. O conceito de capacidade civil está estreitamente ligado à noção de estado, com o qual também não se confunde. O estado compreende um conjunto de fatos ligados à pessoa, em virtude dos quais a mesma pessoa se enquadra ou deixa de se enquadrar nas diversas esferas dentro das quais se desenvolvem as relações jurídicas. 1.3 Espécies de Capacidade Civil A capacidade da pessoa natural pode ser classificada de acordo com dois enfoques principais, quais sejam: quanto à natureza e quanto à extensão. No que se refere quanto à natureza, a capacidade por ser de direito e de fato. A capacidade de direito (ou de gozo) é aquela inerente a todo homem, em virtude exclusivamente da sua condição de pessoa, a teor do que determina o artigo 1º, do Código Civil. Não se confunde com a personalidade, pois esta é pressuposto daquela. Enquanto a personalidade jurídica é ampla e abrange o âmbito geral da vida do direito, a capacidade de direito é limitada, constituindo uma prerrogativa da pessoa em face dos direitos particularmente considerados. É importante ainda, distinguir a capacidade de direito da chamada legitimação. A primeira constitui um pressuposto meramente subjetivo do negócio jurídico, ao passo que a segunda, é de natureza subjetivo-objetiva. Como exemplo disso, podemos citar o fato de que todo homem maior e capaz tem o direito de vender seus bens aos seus descendentes, mas depende do consentimento (legitimação) dos demais descendentes para concretizar esse direito (art. 496, do Código Civil). A capacidade de fato (ou de exercício) é a faculdade que tem a pessoa, por si mesma, de levar a efeito o uso e o gozo dos diversos direitos. Exemplo disso, é o fato de o nascituro ser capaz de direito para assumir obrigações, mas não é capaz de fato para fazê-lo por determinação própria, necessita, para tal, de curador especial. Quanto ao aspecto da extensão, o Código Civil trata da matéria sob o título de incapacidade. Assim, tem-se a incapacidade absoluta e a incapacidade relativa, podendo-se incluir, ainda, em meio a esse sistema, especialmente na legislação extravagante, casos de incapacidades especiais. Se a capacidade é a aptidão para adquirir direitos e obrigações, a incapacidade é a sua inaptidão. A incapacidade absoluta, ou inexistência de capacidade, somente pode existir de fato ou de exercício, porque a simples personalidade implica um mínimo de capacidade de direito. Portanto, incapacidade absoluta é o impedimento total para o exercício dos atos da vida civil. Impedimento de exercício pessoal, porquanto, se devidamente representados, os absolutamente incapazes podem adquirir direitos e contrair obrigações. Segundo o artigo 3º do Código Civil, são absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos, e, os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Enquanto que a incapacidade absoluta é sempre de fato, a incapacidade relativa pode ser de fato ou de direito. O próprio ordenamento, ao enumerar no artigo 4º a relação dos incapazes que nesse conceito se incluem, diz que são "relativamente a certos atos, ou ã maneira de os exercer". São, portanto, relativamente incapazes: os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; e, os pródigos. Na categoria dos pródigos estão inseridos aquelas pessoas que desordenadamente dissipam seu patrimônio, caminhando para a miséria. Dessa situação emerge a limitação jurídica de sua capacidade para gerir os próprios bens, salvo os atos de mera administração. Cabe salientar, as pessoas inseridas nesse contexto, não estão igualmente, impedidas de casarem e exercerem os demais direitos de esposos e pais, assim como os de natureza profissional. Segundo determina o artigo 5º , do Código Civil, a menoridade cessa aos dezoito anos, ficando a pessoa habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Existem ainda, os casos de incapacidades especiais, ou seja, aquelas que estão previstas em leis especiais. Nessa classificação estão inseridas as incapacidades dos surdos-mudos, graduada por juiz; a dos condenados, quanto à direção do casal; a dos cegos; a da massa falida; e, a dos que não gozam de consideração civil, como por exemplo, os pais que perderam o pátrio poder sobre seus filhos. 1.4 Modificações da Capacidade Civil A incapacidade não é necessariamente um atributo estável ou permanente da personalidade. Constituindo uma resultante do estado, as alterações deste encontram nela ressonância. Desse modo, a incapacidade pode sofrer modificações e, em certos casos, pode cessar. As modificações mais importantes são as que se operam em razão da idade, pois, atingindo dezesseis anos, o menor absolutamente incapaz passa a sê-lo apenas relativamente. Ainda quanto à cessação da incapacidade dos menores, o parágrafo único do artigo 5º, do Código Civil, estabelece que: Art. 5º - Cessará, para os menores, a incapacidade: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) atos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 (dezesseis) anos completos tenha economia própria. De todos os modos de cessação da incapacidade, quatro deles mantêm relação direta com a Lei de Registros Públicos, quais sejam: o advento da maioridade, uma vez que o registro de nascimento dará conta de que a pessoa é capaz para adquirir direitos e contrair obrigações; pelo casamento, cujas anotações de alteração do estado civil deverão ser procedidas no registro de nascimento dos contraentes; pelo estabelecimento civil ou comercial com economia própria, cuja existência legal somente se verifica com a inscrição no Registro Civil dos seus atos constitutivos acordados pela sociedade de fato; por concessão do pai ou da mãe - emancipação - ato que somente será eficaz se feito mediante escritura pública ou por sentença do juiz, que em ambos os casos deverá inscrito no Livro "E" da comarca e anotado à margem do registro de nascimento. A cessação da incapacidade pode dar-se em todos os casos de incapacidade absoluta e relativa: no caso dos insanos se curarem da demência; no dos surdos-mudos se sararem ou vierem, mediante educação apropriada, a poder exprimir a sua vontade; no dos ausentes, se reaparecerem; no dos pródigos, se se comprovar a possibilidade de gerirem equilibradamente, o seu patrimônio. 1.5 A Lei dos Registros Públicos e os Atos Modificativos da Capacidade Civil O registro público é serviço dotado das características da autenticidade, segurança e eficácia. Autenticidade é a qualidade daquilo que é confirmado por ato de autoridade: de coisa, documento ou declaração verdadeiros. O registro cria presunção relativa de verdade. É retificável e modificável. Embora não forneça o registro autenticidade ao negócio causal ou fato jurídico do qual se origina, o ato registral por si só, torna-se autêntico. A segurança, como libertação do risco, é, em parte, atingida pelos registros públicos. Aperfeiçoando-se seus sistemas de controle e sendo obrigatórias as remissões recíprocas, tendem a constituir malha firme e completa de informações. Eficácia é a aptidão de produzir efeitos jurídicos, calcada na segurança dos assentos, propiciando publicidade dos negócios e declarações para eles transpostos. O mais amplo produz o efeito de afirmar a boa-fé dos que praticam atos jurídicos baseados na presunção de certeza daqueles assentamentos. Além dos fins expressos no artigo 1º da Lei dos Registros Públicos, cumprem a essencial função de assegurar, enquanto serviços de organização técnica e administrativa dos direitos a que se referem, a publicidade dos atos jurídicos. Dotado de segurança e certeza, o registro público produz três efeitos principais, quais sejam: a) Efeito constitutivo - sem o registro o direito não nasce. Como exemplo, a emancipação, a aquisição de propriedade por atos entre vivos. b) Efeito comprobatório - o registro prova a existência e a veracidade do ato ao qual se reporta. c) Efeito publicitário - o ato registrado, com raras exceções, é acessível ao conhecimento de todos, interessados ou não. CONSIDERAÇÕES FINAIS De toda a matéria exposta, podemos concluir que a Lei dos Registros Públicos atua de maneira importante em todos os atos da vida civil, constituindo-se em uma garantia de que os negócios jurídicos, em geral, sejam realizados com a segurança necessária para que possam surtir seus efeitos no mundo jurídico. A capacidade, atributo da personalidade civil, é elemento que está inserido em todo e qualquer ato jurídico, cujos pressupostos de validade são exatamente a capacidade das partes, a forma prescrita ou não defesa em lei. A parte que deseja constituir relação jurídica com outra absoluta ou relativamente incapaz, deve observar que nulo ou anulável é o negócio daí resultar, se este não estiver revestido dos requisitos legais exigidos em lei para a validade do ato. Nessas condições, os princípios norteadores da publicidade e da segurança, estabelecidos pela Lei de Registros Públicos, são o requisito básico de que os negócios em geral não sejam firmados de maneira diversa daquela prevista em lei, pois possibilitam que todo o cidadão tenha conhecimento das condições daqueles com quem pretende negociar, circunstância impeditiva de que negócios mal feitos sejam realizados, trazendo prejuízos à parte. Conclui-se, portanto, que é na segurança e na certeza que reside a importância de se conhecer o conceito e a extensão daquilo que se denomina capacidade civil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAHALI, Yussef Said. Código Civil, Código de Processo Civil e Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. __________. Novo Código Civil - Lei 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 2002. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 5º volume, Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2000. FRANÇA, R. Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1997.